De Brasília, Teresa Cistina, emocionada, liga-me. A filha pequena, ao regressar da escola, perguntou: “Mamãe, carinho é filho do amor?”. A resposta seria óbvia, mas a mãe quis saber o porquê da pergunta. A garota respondeu: “Li no meu livrinho da escola”. O livrinho era O Menino que descobriu as palavras, escrito por mim e ilustrado por Gabriel Archanjo. Cristina, que foi minha aluna, não se conteve: “Professor, eu chorei”.
Mas a história do Menino não se inicia aí. Em 1992, uma das coordenadoras do Dom Barreto me perguntou como trabalhar noções de rima com crianças recém-alfabetizadas. Indiquei-lhe poemas de Bandeira, Quintana, Cecília e outros. Ela queria algo mais específico. Nisso, aparece o prof. Marcílio Farias, sempre muito agitado, e dispara: “É muito simples.Basta dizer: bom dia, como foi teu dia, comendo melancia, com rabo de cotia...”. Não deixei barato: dom Marcílio, você está apenas repetindo o que fazia, com maior brilho, seu conterrâneo, Zé limeira,”o poeta do absurdo”. Marcílio lançou a provocação: “Se não gostou, faça algo melhor”. À época, meu filho Hermano Niño, com sete anos de idade, estudava no Dom Barreto. Eu não queria meu filho rimando melancia com rabo de cotia. Cheguei à minha casa e comecei a trabalhar um cordelzinho com a história de um menino que, recém-alfabetizado, começa a descobrir a importância e a beleza das palavras. Para facilitar o entendimento, escrevi o texto em versos heptassílabos e rimas emparelhadas. No dia seguinte, entreguei-o à coordenadora da escola. O texto foi utilizado com algum sucesso.
Meses depois, Gabriel Archanjo pediu-me o poema e o ilustrou. Quando vi o resultado, não me contive: meu irmão, isto já não é meu; é nosso. Levei o livrinho ilustrado e dei ao Marcílio. Ele recebeu, olhou, nem agradeceu. No dia seguinte, mandou me chamar e me entregou duas passagens para São Paulo, com o seguinte comentário: “ Um livro deste nível não pode ficar apenas no Piauí. Deve ser compartilhado com crianças de todo o país”. Assim, editado pela Ática, nasceu o Menino que descobriu as palavras, que, nesta semana, chega à 22ª edição, com mais de 70 mil exemplares vendidos em todo o país.
Meu filho Hermano cresceu e o meu Menino ganhou asas. Sem precisar da minha ajuda, continua encantando crianças pelas escolas do Brasil. Permitam-me dividir esta grande alegria com vocês. As alegrias, o saber e a beleza devem ser compartilhados sempre. Assim seja.
* Este texto foi postado em 2017. De lá até agora, foram feitas outras reimpressões . Já não sei quantos mil exemplares foram vendidos no Brasil inteiro. Sei que isso me deixa feliz.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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