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Segunda-feira, 18 de novembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

04/11/2016 - 12h50

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

04/11/2016 - 12h50

Sobre a Proposta de Emenda Constitucional que fere a Constituição Cidadã

Passei alguns dias fora do país e ao retornar esta semana me parece que o trem da loucura resolveu se estabelecer por aqui. Lá fora sempre a mesma pergunta: _ o que aconteceu com o Brasil? E após a minha colocação, nova pergunta: _ mas você não acha que o Brasil necessita cortar gastos para se reequilibrar?  E minha resposta:_ Sim acho que sim, mas acredito que os gastos a serem cortados não devem prejudicar quem necessita de amparo.

 

 

O fato é que a imagem do Brasil lá fora está realmente muito ruim, mas isso não é o pior, haja vista as justificativas existentes, muitas delas palpáveis. O pior é o discurso ora vendido pelo governo através dos aliados midiáticos de sempre. Os mesmos que se colocaram pró-ditadura nos anos sessenta e que agora retornam  com vigor e potência comas práticas manipulatórias. As agências de notícias tratam de vender uma versão de austeridade do governo,sem no entanto, se reportar ao fato de que seus aliados são também investigados e que muitos já em estão sendo processados. Outro agravante é a venda de que a fatídica PEC 241 na Câmara, agora PEC 55 no Senado, é o melhor meio para reverter a crise econômica brasileira. Esse processo de venda discursiva vem sendo convincente, inclusive, dentro do  Brasila ponto de conseguir a adesão de quem será efetivamente muito prejudicado, a saber: profissionais e beneficiários dos sistemas públicos de saúde e educação. Talvez essa seja uma das melhores e mais tristes analogias que possamos fazer visualmente com o conceito de hegemonia de Gramsci.

 

 

Então creio que, apesar da minha tristeza com o cenário, devo começar pela pergunta: O QUE É UMA PEC? É uma Proposta de Emenda Constitucional que tem como objetivo modificar partes do texto da Constituição referendada em 1988, conhecida como Constituição Cidadã, hoje vigente. As Propostas de Emenda Constitucional podem dar flexibilidade e velocidade ao processo democrático, contudo, desde que mantenham em si, os princípios democráticos que devem reger o país; pois este é o modelo que vem sendo referendado nas urnas a cada pleito. Escolhemos a democracia, embora existam muitos em nosso meio, que não sabem o que falam e que pedem a volta da ditadura. Pois bem, o que é DEMOCRACIA? Impossível tratar de conceito tão amplo nesse pequeno espaço de que disponho, mas tentarei aqui traçar rapidamente uma ideia do que seria a proposição democrática. Em primeiro lugar entender que se pauta nos direitos e deveres do cidadão, que por sua vez, possuem como guias as questões que fizeram eclodir a revolução francesa ainda no século XVIII, a saber luta por: liberdade, igualdade e fraternidade. A democracia, portanto, pressupõe liberdade e isso requer responsabilidade de todos os envolvidos no contrato que rege a sociedade. Para Alain Touraine a democracia possui três dimensões; a primeira seria o respeito aos direitos fundamentais, a segunda a própria cidadania e a terceira a vertente da representatividade dos dirigentes. Para este autor, “ a democracia existe realmente quando a distância que separa o Estado da vida privada é reconhecida e garantida por instituições políticas e pela lei. Ela não se reduz a procedimentos porque representa um conjunto de mediações entre a unidade do Estado e a multiplicidade dos atores sociais. É preciso que sejam garantidos os direitos fundamentais dos indivíduos, é preciso também que estes se sintam cidadãos e participem da construção da vida coletiva. Portanto, é preciso que os dois mundos_ o Estado e a sociedade civil- que devem permanecer separados, fiquem também ligados um ao outro pela representatividade dos dirigentes políticos.

 

 

E o que temos no momento? Um dirigente máximo que não foi eleito. E não me venham os minimalistas simplistas e cegos  da razão  Kantiana a falar de culpa de eleitores da Ex-Presidente Dilma Rousseff, porque seus eleitores votaram em um projeto de país bem explícito que primava pela construção da igualdade social. Os graves erros de muitos que estavam em seu governo são imperdoáveis, mas a adoção de um caminho de retrocesso para o Brasil é inadmissível. Portanto, não aprovamos nas urnas o encolhimento do Estado provedor dos que mais necessitam, em favor de uma minoria de ricos que não pagam impostos proporcionais aos ganhos que tem a cada mês.

 

 

E o que pretende o governo com a PEC 241, assim nomeada na Câmara Federal,  que se tornou PEC 55 no Senado, ou, PEC do Novo Regime Fiscal? Pretende congelar os gastos públicos primários do Orçamento Geral da União por 20 anos. O que inclui gastos com quase tudo, inclusive com Saúde e Educação, mas deixa de fora as despesas financeiras com a dívida pública do Estado que inclui o pagamento de juros e amortizações a instituições credoras. Também não contempla aumento da carga tributária para as grandes fortunas. Ou seja, propõe efetivamente a potencialização da pirâmide da desigualdade social.  Isso fere diretamente o Título  I, Art. 3º da Constituição Federal que trata dos Princípios Fundamentais e dos Objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, respectivamente, que seriam: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

 

A proposta prevê que as áreas de Saúde e Educação somente seriam incluídas nas regras da PEC 241 a partir de 2018. O discurso enganador sugere que os gastos nas duas pastas poderiam eventualmente crescer acima da inflação. O que nos parece uma antítese inviável se a PEC for aprovada, pois essas áreas que possuíam tanto um orçamento pré-determinado como a possibilidade real de flexibilidade dos gastos a partir da arrecadação fiscal (se a arrecadação crescia, o mínimo possível de investimentos/gastos também crescia); com a PEC ficam congeladas e engessadas, já que não haverá possibilidade de deslocamento de despesas, haja vista que todas as demais áreas como infraestrutura, tecnologia, ciência, habitação e tudo o mais, já estarão também sem condições de investimentos.

 

 

O fato é que mesmo que a aplicação de um teto para gastos públicos pudesse ser viável e hipoteticamente aplicável sem prejudicar a população, ele nunca poderia ser proposto como Emenda Constitucional.  É fato que alguns países adotaram medidas parecidas, contudo, nenhum deles chegou a incluir uma norma de congelamento universal no próprio texto da Constituição. Dinamarca por exemplo, limitava o crescimento real a 0,5% ao ano. Outros exemplos podem ser pesquisados como Holanda e Suécia.

 

 

E porque a Proposta de Ementa Constitucional fere a Constituição cidadão? Por que como nos esclarece a Nota da CNBB- CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, a  “PEC 241 afronta a Constituição Cidadã de 1988. Ao tratar dos artigos 198 e 212, que garantem um limite mínimo de investimento nas áreas de saúde e educação, ela desconsidera a ordem constitucional. A partir de 2018, o montante assegurado para estas áreas terá um novo critério de correção que será a inflação e não mais a receita corrente líquida, como prescreve a Constituição Federal.

 

 

Isso implica que os direitos garantidos no Capítulo III- Seção I da Constituição Federal que se referem à Educação , assim como, os direitos garantidos pelo Capítulo II que se refere aos Direitos Sociais onde encontramos a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, estão agora ameaçados.

 

 

Meu espaço acabou. Não deixo dicas. Deixo apelo um apelo: _ ACORDA, Brasil ACORDA! Precisamos garantir a igualdade social, racial  e de gênero para que possamos nos tornar efetivamente uma nação democrática e com certeza retroceder não é o caminho. 

Ana Regina Rêgo

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