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Segunda-feira, 18 de novembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

18/11/2016 - 14h19

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

18/11/2016 - 14h19

O Outro

Quem são os outros em nossas vidas? Ao que parece todos os dias rotulamos muitas pessoas que vivem em nosso meio e muitos dos que trabalham para nós, como o outro, a alteridade indesejada, muito embora nem sempre consigamos perceber em nossas atitudes essas pretensão de diferenciação social e cultural, em que nos colocamos propositalmente em um patamar superior a muitas pessoas que vivem na mesma sociedade.

 

Do ponto de vista da visualidade é mais fácil enxergarmos o outro, assim rotulado pela sociedade ocidental, como aquele que se encontra distante de nós geograficamente e cuja cultura, costumes e religião, diferem bastante da nossa. O medo guia a construção das representações que fazemos do outronesse caso, fazendo com que não consigamos enxergar na outra cultura, seres humanos com seus sentimentos, emoções, problemas de saúde, etc.. Normalmente, situamos a construção do outro em uma polaridade maniqueísta, onde bom é o lugar em que nos encontramos ou desejamos chegar e o bem é o que status que escolhemos para nós. Enquanto tudo o que se distancia do nosso ideal é relegado ao lugar do mal.

 

Entretanto, diariamente, o outro se revela em pequenas ações, por exemplo,quando procuramos desqualificar nossos semelhantes que trabalham para nós, tais como os trabalhadores domésticos que recentemente adquiriram o direito de ter uma carteira de trabalho, adquiriram o direito de dormir em suas casas com suas famílias, adquiriram o direito a uma carga horária que não permite exploração de seu trabalho em tempo integral; porém cujos muitos patrões, reclamam porque agora precisam pagar direitos trabalhistas e não podem mais explorar seus funcionários. Reclamam porque parecem não perceber que os trabalhadores domésticos são pessoas. Reclamam porque se esquecem de se colocar no lugar do outro.

 

Todavia, a prática de desqualificação do outro é muito recorrente. Uma das mais comuns no Brasil recente se manifesta através do discurso de ódio voltado aos beneficiários dos programas sociais tais como o Bolsa Família. Programa que tirou milhões de brasileiros da miséria e os situou em um patamar digno de vida. Normalmente, o discurso que condena tais programas aborda a temática pela ótica da condenação do Estado protetor, afirmando que seria somente uma política assistencialista que torna o beneficiário preguiçoso, fazendo com que muitos abandonem seus empregos para viver de benefícios. Cansei de ouvir de forma contumaz, amigas e amigos afirmarem que agora não encontram mais quem queira trabalhar porque muitos que vivem do Bolsa Família, não precisam mais trabalhar. Mas que tipo de trabalho está sendo ofertado? Trabalho braçal e sem carteira de trabalho assinada? Ou seja, trabalho escravo disfarçado. Trabalho doméstico sem direitos trabalhistas?

 

Outro dia, ouvi de amigos próximos que não existem mais quebradeiras de coco, porque as mulheres agora não querem mais trabalhar. Entretanto, quem já teve a oportunidade de acompanhar o dia-a-dia de uma quebradeira de coco, pode comprovar as péssimas condições, a dureza do trabalho árduo que envolve desde a coleta a quebra e separação do coco, e, principalmente, o baixíssimo valor que se paga pelo produto, constatando que se trabalha muito e se ganha pouco, muitas vezes não dando nem para a subsistência.    Novamente, a análise simplista de uma conjuntura complexa é o que prevalece e a falta de visão e de empatia são protagonistas na construção desse outro: -o homem e a mulher nordestinos e preguiçosos.

 

Mas o outro não se encontra somente entre os que trabalham em empregos menos valorizados e de baixa remuneração e queas classes economicamente ativas e situadas no patamar de Alto e Médio desejam manter como dependentes, desejam manter como subalternos, desejam manter na ignorância para continuar a exploração que perdura em nosso país. A construção do outro também tem se manifestado no Brasil de forma cada vez violenta nos discursos que envolvem crenças e religiões.

 

Por esse prisma é Deus, ou melhor, o discurso que se coloca na boca de Deus,que define o mesmo e o outro; por esse ângulo é Deus quem decide que crença é boa para nossos irmãos e que crença é prejudicial.  É verdade que esse campo é o que tem criado mais cismas e guerras no mundo desde o principio das sociedades. A luta constante pelo direito de afirmar que o seu Deus é o único e verdadeiro. Estranhamente, Deus que provavelmente é o mesmo para todos os humanos, mas possui denominações distintas e se faz acompanhar por construções de crenças diferentes para cada sociedade, normalmente calcadas em valores e ética situados em cada espaço e cada tempo, objetivando um acordo de convivência para que a raça humana conviva em paz; termina sendo o provocador, portanto, o culpado por todas as guerras. Deus que deveria ser amor se transforma em arma pela mão do homem.  No Brasil o radicalismo religioso, antes velado, agora mostra sua cara radical através do preconceito contra a comunidade de homossexuais, por exemplo, ou na perseguição às práticas das nossas religiões de matrizes africanas, dentre outros temas.

 

Em outro prisma, o outro também é o que possui a cor da pele distinta e que, portanto, na cabeça de muita gente sem informação e sem educação, não deve possuir os mesmos direitos. Ouvir em nosso país e em países considerados “desenvolvidos” como os Estados Unidos um ser ignóbil denominar uma pessoa de macaca, como aconteceu recentemente com a Primeira Dama daquele país, Michele Obama, é inadmissível, não por ela ocupar a posição que ocupa, mas porque se trata de pessoa que foi atacada pela cor de sua pele.

 

Do ponto de vista politico partidário, o outro muitas vezes é inclusive o seu irmão de sangue que pensa diferentemente de você. Informações disseminadas midiaticamente e potencializadas nas redes sociais mascaram a intencionalidade de manutenção do status quo de um poder político e econômico dos que nos governam no Estado e nos exploram no mercado. Não conseguimos ver que estamos aderindo a um modelo em que somos os principais prejudicados e ficamos a criar inimigos entre os amigos consolidando o lado mais obscuro do conceito de hegemonia em que defendemos quem nos prejudica. No caso da luta contra a PEC 241 ou PEC 55, muitos dos que sofrerão as consequências estão defendendo sua aprovação. Muitos professores estão contra os discentes que estão protagonizando a luta contra as restrições que o governo pretende estabelecer, enquanto concede benefícios ao Judiciário e ao Legislativo. Ou seja, aliando-se aos algozes contra quem está lutando pelas causas que deveriam ser de todos.

 

Por fim deixo duas dicas: 1. Se colocar no lugar do outro, para visualizar como você se sentiria ao ser maltratado; 2. Nunca se contentar com as informações e os discursos que chegam até você, procure conhecer as pessoas, as posições e as realidades diferentes da sua.

 

Ana Regina Rêgo

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