“Nenhum paradoxo da política contemporânea é tão dolorosamente irônico como a discrepância entre os esforços de idealistas bem-intencionados, que persistiam teimosamente em considerar “inalienáveis” os direitos desfrutados pelos cidadãos dos países civilizados, e a situação de seres humanos sem direito algum” ( Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo, 2009,p.312)
Entro na sala de espera do consultório médico. Eram quase dez horas da manhã. A atendente não está. Na sala, somente uma senhora de mais idade, aguarda sentada em um dos sofás. Em sua mão um celular quase a cair, enquanto dorme profundamente. Sento-me no sofá ao lado, para aguardar a atendente. E passo a ouvir o programa que a senhora estava assistindo. Parecia estar ligada em algum canal de TV online do sul do país, tendo em vista o sotaque da apresentadora.
Nos primeiros minutos demoro a perceber que tipo de programa se tratava, se jornalístico ou de entretenimento. Na verdade não consegui discernir, mas parecia algo como uma comentarista da esfera política a aconselhar os telespectadores/ouvintes. Logo em seguida, compreendo que a apresentadora estava fazendo campanha em favor da implantação de um novo regime militar no Brasil. Conclamava a população para sair às ruas em apoio ao Comandante geral do Exército Brasileiro, que um dia antes do julgamento do ex-Presidente Lula, no Supremo Tribunal Federal, ameaçou colocar o exército nas ruas para “garantir a ordem e proteger o povo”. ( Já me referi aqui a este episódio).
Dois dias depois, já com a prisão do ex-Presidente decretada, chego na academia e ouço de um senhor, que se o Lula fugisse ou se os petistas fossem para as ruas, que o povo de “bem” deveria apoiar o exército contra o “perigo comunista”. E tanto esse senhor, quanto outros, referiam-se ao caso do tríplex como o extremo da corrupção no país, por outro lado, esse senhor que bradava contra a corrupção era nada mais nada menos, que um ex-gestorde uma empresa pública, preso (momentaneamente) por corrupção à cerca de 10 anos atrás. Seu caso foi amplamente noticiado na imprensa local.
Como pesquisadora da história e com grande interesse em regimes totalitários e ditatoriais, os últimos, analisados a partir do Brasil, e, portanto, uma leitora contumaz dos jornais do passado, parece-me um dèjá vu, em antítese, de algo que não vi. Tanto as manchetes das mídias de referência, leia-se, principalmente, Globo e Veja e outras similares, como as rodas de conversas parecem se situar em um presente do passado.
O medo do comunismo plantado no começo do século XX e reavivado no final dos anos de 1950, retorna agora com a ideologia anticomunista renascida e potencializada, pelas inúmeras possiblidades tecnológicas de produção de conteúdos e fruição de informações, em grande medida manipuladas ou simplesmente falsas ( vide as agora mais famosas fakenews).
Em outra frente, a indignação da população com os processos de corrupção que varrem o país, envolvendo ambientes de representação política e mercado, acarretando numa grande crise da representatividade política no Brasil; tem criado um crescente nojo da política partidária tradicional e das ideologias, fazendo nascer um considerável número de MOVIMENTOS que se dizem apartidários e distantes da luta de classes. O atualmente mais famoso, dentre esses movimentos, é o MBL, o campeão de fakenews disseminadas nas redes sociais diariamente.
Mas os movimentos que afirmam se situar “acima dos partidos” e que cativam por clamarem ao povo para se manter distante das práticas e das lutas da política, em prol de um objetivo maior e nacional, na verdade, se utilizam de práticas discursivas e se apoiam em ideologias para conseguir chegar a seus verdadeiros objetivos. Em grande medida, representam interesses de alguns, que se situam bem distantes do propagado interesse da nação. E, como nos alerta, Hannah Arendt, são embriões de movimentos totalitários.
Tudo parece girar em torno de interesses particulares que são impulsionados por um mercado que nos leva ao consumismo nos utilizando como produtos e nos escravizando. Sem consciência política, sem noção do que somos e representamos no tabuleiro mercadológico e onde nos situamos entre as classes, continuamos serviçais de um mundo que não temos força para mudar. A democracia tão desejada volta a defender os interesses de uma casta em detrimento das necessidades da grande maioria que continua à margem da sociedade, sem direitos.
Muitos preferem fugir, ou fingir e ignorar a realidade, tratando os pobres como o Outro, a quem se dirige o ódio social de uma classe média inconsciente e inconsequente. Como diz Hannah Arendt no livro Homens em tempos sombrios, “ a fuga do mundo em tempos sombrios de impotência sempre pode ser justificada, na medida em que não se ignore a realidade, mas é constantemente reconhecida como algo a ser evitado”. E complementa alertando “Ao mesmo tempo, não podemos deixar de ver a limitada relevância política de tal existência, mesmo mantida em sua pureza. Seus limites são inerentes ao fato de que a força e o poder não constituem a mesma coisa; o poder surge apenas onde as pessoas agem em conjunto, mas não onde as pessoas se fortalecem somente como indivíduos”.
Pensar em si e somente nos seus, deixando a sociedade e os mais pobres de lado, não nos conduzirá a um mundo melhor. Seguir a marcha da massa sem contestar e sem criticar só nos leva a um passado de dores e incertezas. Fica a dica!
Entro na sala de espera do consultório médico. Eram quase dez horas da manhã. A atendente não está. Na sala, somente uma senhora de mais idade, aguarda sentada em um dos sofás. Em sua mão um celular quase a cair, enquanto dorme profundamente. Sento-me no sofá ao lado, para aguardar a atendente. E passo a ouvir o programa que a senhora estava assistindo. Parecia estar ligada em algum canal de TV online do sul do país, tendo em vista o sotaque da apresentadora.
Nos primeiros minutos demoro a perceber que tipo de programa se tratava, se jornalístico ou de entretenimento. Na verdade não consegui discernir, mas parecia algo como uma comentarista da esfera política a aconselhar os telespectadores/ouvintes. Logo em seguida, compreendo que a apresentadora estava fazendo campanha em favor da implantação de um novo regime militar no Brasil. Conclamava a população para sair às ruas em apoio ao Comandante geral do Exército Brasileiro, que um dia antes do julgamento do ex-Presidente Lula, no Supremo Tribunal Federal, ameaçou colocar o exército nas ruas para “garantir a ordem e proteger o povo”. ( Já me referi aqui a este episódio).
Dois dias depois, já com a prisão do ex-Presidente decretada, chego na academia e ouço de um senhor, que se o Lula fugisse ou se os petistas fossem para as ruas, que o povo de “bem” deveria apoiar o exército contra o “perigo comunista”. E tanto esse senhor, quanto outros, referiam-se ao caso do tríplex como o extremo da corrupção no país, por outro lado, esse senhor que bradava contra a corrupção era nada mais nada menos, que um ex-gestorde uma empresa pública, preso (momentaneamente) por corrupção à cerca de 10 anos atrás. Seu caso foi amplamente noticiado na imprensa local.
Como pesquisadora da história e com grande interesse em regimes totalitários e ditatoriais, os últimos, analisados a partir do Brasil, e, portanto, uma leitora contumaz dos jornais do passado, parece-me um dèjá vu, em antítese, de algo que não vi. Tanto as manchetes das mídias de referência, leia-se, principalmente, Globo e Veja e outras similares, como as rodas de conversas parecem se situar em um presente do passado.
O medo do comunismo plantado no começo do século XX e reavivado no final dos anos de 1950, retorna agora com a ideologia anticomunista renascida e potencializada, pelas inúmeras possiblidades tecnológicas de produção de conteúdos e fruição de informações, em grande medida manipuladas ou simplesmente falsas ( vide as agora mais famosas fakenews).
Em outra frente, a indignação da população com os processos de corrupção que varrem o país, envolvendo ambientes de representação política e mercado, acarretando numa grande crise da representatividade política no Brasil; tem criado um crescente nojo da política partidária tradicional e das ideologias, fazendo nascer um considerável número de MOVIMENTOS que se dizem apartidários e distantes da luta de classes. O atualmente mais famoso, dentre esses movimentos, é o MBL, o campeão de fakenews disseminadas nas redes sociais diariamente.
Mas os movimentos que afirmam se situar “acima dos partidos” e que cativam por clamarem ao povo para se manter distante das práticas e das lutas da política, em prol de um objetivo maior e nacional, na verdade, se utilizam de práticas discursivas e se apoiam em ideologias para conseguir chegar a seus verdadeiros objetivos. Em grande medida, representam interesses de alguns, que se situam bem distantes do propagado interesse da nação. E, como nos alerta, Hannah Arendt, são embriões de movimentos totalitários.
Tudo parece girar em torno de interesses particulares que são impulsionados por um mercado que nos leva ao consumismo nos utilizando como produtos e nos escravizando. Sem consciência política, sem noção do que somos e representamos no tabuleiro mercadológico e onde nos situamos entre as classes, continuamos serviçais de um mundo que não temos força para mudar. A democracia tão desejada volta a defender os interesses de uma casta em detrimento das necessidades da grande maioria que continua à margem da sociedade, sem direitos.
Muitos preferem fugir, ou fingir e ignorar a realidade, tratando os pobres como o Outro, a quem se dirige o ódio social de uma classe média inconsciente e inconsequente. Como diz Hannah Arendt no livro Homens em tempos sombrios, “ a fuga do mundo em tempos sombrios de impotência sempre pode ser justificada, na medida em que não se ignore a realidade, mas é constantemente reconhecida como algo a ser evitado”. E complementa alertando “Ao mesmo tempo, não podemos deixar de ver a limitada relevância política de tal existência, mesmo mantida em sua pureza. Seus limites são inerentes ao fato de que a força e o poder não constituem a mesma coisa; o poder surge apenas onde as pessoas agem em conjunto, mas não onde as pessoas se fortalecem somente como indivíduos”.
Pensar em si e somente nos seus, deixando a sociedade e os mais pobres de lado, não nos conduzirá a um mundo melhor. Seguir a marcha da massa sem contestar e sem criticar só nos leva a um passado de dores e incertezas. Fica a dica!
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