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Segunda-feira, 18 de novembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

09/05/2015 - 10h33

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

09/05/2015 - 10h33

Ética e Religião: princípios de religação com o outro

 

 

Caros leitores, retorno hoje ao tema da Ética e sua relação intrínseca com a Religião, sobretudo, porque ambas trabalham pela religação do indivíduo com o outro e com a comunidade. Mas o meu interesse recorrente pelas temáticas anunciadas se dá, principalmente, porque a crise que assola inúmeras religiões tem criado fortalezas de isolamentos ideológicos em detrimento do diálogo entre os povos, e, portanto, quebrando o pacto principal de sua razão de existir que é o princípio de religação.

 

Vale pois lembrar que a Ética possui identidade coletiva e  se faz validar no espaço público onde o comportamento do homem  frente a outros homens, se explicita e faz transparecer o fundamento primeiro da esfera normativa, qual seja:  o pacto de reconhecimento das regras sociais como, comuns a todos os indivíduos que convivem em uma dada sociedade, em determinado espaço e em determinado tempo. Portanto, a ordenação da sociedade perpassa assim, tanto pelas leis que dão suporte constitucional a uma nação, como pelo conjunto de normas de bem viver, de costumes da cultura e de hábitos sociais.

 

A Ética ( Ethiké ) enquanto exigência moral possui, segundo Edgar Morin, duas fontes principais, uma interior e outra exterior. A primeira vem do espírito como “a injunção de um dever”. A segunda nasce na cultura, nas crenças e nas normas sociais. E há ainda, uma terceira fonte, que de acordo com este autor nasce da “organização viva, transmitida geneticamente”. Morin afirma que existe na ética um princípio ativo que busca a harmonia pré-estabelecida e que incentiva os cidadãos a aderir a uma ética solidária, segundo ele “ todo o olhar sobre a ética deve perceber que o ato moral é um ato individual de religação; religação com o outro, religação com a comunidade com a sociedade e, no limite, religação com a espécie humana”.

 

Este filósofo nos alerta para uma crise nos fundamentos da Ética que está centrada na crise das instituições que historicamente lhe davam sustentação, como as grandes religiões, a família, a escola, por exemplo. Contudo, este mesmo autor é incisivo ao observar que esta crise também passa pelo crescimento do espaço do individualismo nas sociedades contemporâneas em detrimento do sentimento de comunidade compartilhada, de altruísmo, de solidariedade. A competição individual e a busca incessante pelo sucesso nas sociedades das aparências fazem com que os sentimentos coletivos que movem a humanidade se retraiam.

 

Nesse contexto visualizamos um debate que envolve os fundamentos da certeza, da filosofia e da ciência. Contudo, muitos elementos compõem as causas da turbulência por que passam os fundamentos da Ética. Causas que tomaram corpo ao longo da evolução da humanidade. O sentido de comunidade, a integração, a tradição, a família, o parentesco, a amizade, a religião, os relacionamentos informais e tudo o que compõe a fonte da responsabilidade e da solidariedade, encontra-se diante de uma nova realidade que acompanha o desenvolvimento político, social, econômico, cultural e tecnológico das sociedades contemporâneas. Assim, considerando que a solidariedade e a responsabilidade são fontes da ética, esta se encontra em crise ou pelo menos em processo dinâmico de transformação, criação, adaptação ou mesmo substituição, pelos valores da nova sociedade.

 

Nesse contexto, o que se observa é uma involução no sentimento de comunidade e no universalismo ético, em favor do crescimento da individualidade, sobretudo, em decorrência da nova relação do indivíduo com a sociedade, criando um fosso entre os valores individuais e tendências coletivas, entre a ética individual e a ética da sociedade.

 

Por outro lado, Edgar Morin ainda nos esclarece que com a ausência de Deus, ou seja, com a substituição do imperativo religioso através da realidade científica que vem derrubando muitos dogmas das grandes religiões, sobretudo, as ocidentais; com a dessacralização das leis; e, com o enfraquecimento dos sentimentos de solidariedade e responsabilidade, ocorre a debilitação do imperativo comunitário e da lei coletiva dentro de cada indivíduo, proporcionando o surgimento de éticas particulares e de valores que substituem os fundamentos da ética universal.

 

No mesmo prisma e apontando a crise das religiões na contemporaneidade o Frei Leonardo Boff em recente entrevista para a TV Brasil afirmou que "hoje quase todas as religiões estão doentes, doentes de fundamentalismo e aí, o atraso. Porque as pessoas ficam rígidas, não dialogam, excluem”.

 

Essa realidade abordada pelo Frei Leonardo Boff  se coloca frente a uma sociedade consumista e individualista cujos valores religiosos foram relegados ao esquecimento; entretanto, a reação conservadora das religiões/igrejas que nascem em cada esquina a cada dia, ao invés de pregar a religação, prega o isolamento do pensamento religioso fundamentalista, com éticas rígidas e concentradas no poder da palavra de Deus, a quem os seguidores não ousam contestar. A crise assim, só se agrava, porque não permite que o acordo ético seja pactuado socialmente, já que cada religião exclui do seu escopo de relacionamento, os indivíduos que pensam de forma distinta. Invariavelmente, fica valendo a máxima de que a minha religião é a certa e o meu Deus é o melhor, mesmo que ele seja sanguinário. Mas Leonardo Boff nos lembra que “ a função principal da religião é dar aquela aura que o ser humano precisa para dar um sentido mais profundo da vida", e esse sentido só se concretiza se estivermos em relação direta com nossos semelhantes, não através de um processo de alienação que não permite que se pense ou conteste, mas através de um processo de educação e esclarecimento.

 

Nesse contexto, qualquer que seja o caminho percorrido, a saber: ou do liberalismo exacerbado ou do conservadorismo fundamentalista; a eticidade pública enquanto pacto moral concebido coletivamente sofre perdas irreparáveis, já que passam a valer ideologias que visam de um lado, manter os cidadãos alienados e sob o julgo de normas de um Deus tirano, ou de outro, fazer  prevalecer o individualismo. Em qualquer dos casos percebemos que há uma involução no sentimento de comunidade e no universalismo ético, em favor do crescimento da individualidade, sobretudo, em decorrência da nova relação do indivíduo com a sociedade, criando um fosso entre os valores individuais e tendências coletivas, entre a ética individual e a ética da sociedade.

 

Ana Regina Rêgo

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