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Domingo, 17 de novembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

04/10/2018 - 10h59

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Ana Regina Rêgo

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04/10/2018 - 10h59

Origens do totalitarismo ou como morrem as democracias

O espaço nesta coluna opinativa é meu, mas quem fala hoje é Hannah Arendt. E quem é Hannah Arendt?

Chaplin em O Ditador

 Chaplin em O Ditador

“A eficácia desse tipo de propaganda evidencia uma das principais características das massas modernas. Não acreditam em nada visível, nem na realidade da sua própria experiência; não confiam em seus olhos e ouvidos, mas apenas em sua imaginação, que pode ser seduzida por qualquer coisa ao mesmo tempo universal e congruente em si. O que convence as massas não são os fatos, mesmo que sejam fatos inventados, mas apenas a coerência com o sistema do qual esses fatos fazem parte”. ( Hannah Arendt, Origens do totalitarismo)

O espaço nesta coluna opinativa é meu, mas quem fala hoje é Hannah Arendt. E quem é Hannah Arendt? Provavelmente no estado de ignorância e niilismo em que se encontra mergulhada a sociedade brasileira, Hannah será conhecida como mais uma que deseja ao lado do Papa Francisco, da Madonna, do Noam Chomsky, do Stephen Fry, do governo da Alemanha e da ONU,  seus 5 minutos de fama.

Obviamente, há nesse embate ideológico os completamente convictos de seus ideais representados integralmente e simbolicamente na figura do presidenciável Jair Bolsonaro com toda a falsa moralidade que exala e que provoca crimes de ódio em todo o país. Mas há também os niilistas, os incrédulos, os que cegos pelo ódio ao Partido dos Trabalhadores se agarram ao Bolsonaro, simplesmente porque acreditam que ele combaterá a corrupção, medida complicada já ele também se encontra impregnado por ela. A análise que fazemos desse último grupo não pode ser simplista visto que há uma complexidade na conformação de uma massa heterogênea em torno de um voto de protesto. Nela há tanto, representantes da pretensa burguesia que forma uma classe dominante, como inúmeros participantes de grupos dominados, mas que se projetam em quem desejam ser, se distanciamento de quem eram, ou de quem ainda são. Isso talvez esteja na base do apoio de pobres, mulheres, negros, gays, lésbicas, e outros grupos perseguidos pelo candidato.

Em ambos os grupos que apoiam Bolsonaro, há o esvaziamento dos argumentos ideológicos e políticos e a naturalização da militância comumente trocada por palavras de ordem e mensagens de cunho moralista. As mensagens mais ridículas comparam mulheres de esquerda (“esquerdopatas” de seios nus) às belas, recatadas e do lar da “direita”. Entretanto, muitas das belas, recatadas e do lar, já fizeram aborto, já tiveram inúmeros maridos e amantes, já abandonaram filhos, dentre outras ações condenáveis, sob seus próprios pontos de vista. Em outra vertente, condenam as famílias formadas por casais homossexuais, defendendo a falsa moral da família tradicional brasileira em que a violência se faz presente.

Todavia, é o discurso moralista que tem se acirrado e, é o discurso moralista, talvez bem mais que o ódio ao PT que está levando parte de nossa população a abraçar ideias fascistas declaradas publicamente em inúmeras ocasiões pelo candidato acima já mencionado. Então passo a palavra para Hannah Arendt, espero que vocês aproveitem os “cinco minutos de fama dela”.

Fragmentos de Hannah Arendt:

“Somente o povo e a elite podem ser atraídos pelo ímpeto do totalitarismo, as massas têm que ser conquistadas por meio da propaganda. Sob um governo constitucional e havendo liberdade de opinião, os movimentos totalitários que lutam pelo poder podem usar o terror somente até certo ponto e, como qualquer outro partido, necessitam granjear aderentes e parecer plausíveis aos olhos de um público que ainda não está rigorosamente isolado de todas as outras fontes de informação”.

“A propaganda é, de fato, parte integrante da “guerra psicológica”; mas o terror o é mais” [...]. “Em outras palavras, a propaganda é um instrumento do totalitarismo possivelmente o mais importante, para enfrentar o mundo não-totalitário: o terror, ao contrário, é a própria essência da sua forma de governo. Sua existência não depende do número de pessoas que a infringem”.

Eis o risco do candidato Bolsonaro que alardeia desde seus primeiros passos na política a violência. Em entrevista do final da década de noventa prega claramente a tortura. Mais recentemente afirmou que o problema da ditatura civil-militar foi que só torturou, não matou. Em outras frentes como na entrevista ao ator inglês, Stephen Fry, afirma que o Brasil não gosta de gays e assume seu caráter homofóbico. Em outras ocasiões dispara contra negros e índios. Ao que parece, portanto, a violência compõe a essência do candidato que também é declaradamente machista e discrimina as próprias mulheres da sua família. E é esse seu caráter violento e composto de uma falsa moral que tem atraído multidões de cristãos que cegos seguem tudo o que contraria todos os preceitos de Cristo, principalmente, o amor e não o ódio. Nos grupos de whatsaap pró-Bolsonaro o debate gira em torno da desqualificação da mulher, da afirmação masculina, da disseminação do ódio aos homossexuais de forma potencializada, isso já considerando que somos um dos países do mundo mais violentos e que as vítimas em geral são negros, mulheres negras, mulheres não negras e homossexuais.

Voltando a Hannah Arendt: “o efeito propagandístico da infalibilidade, o extraordinário sucesso que decorre da humilde pose de mero interpretador de forças previsíveis, estimulou nos ditadores totalitários o  hábito de anunciar suas intenções política sob a forma de profecias”.

“Esse método, como outros da propaganda totalitária, só é infalível depois que os movimentos tomam o poder. A essa altura, discutir a verdade ou a mentira da predição de um ditador totalitário é tão insensato como discutir com um assassino em potencial se a próxima vítima está morta ou viva- pois, matando a pessoa em questão, o assassino pode prontamente demonstrar que a sua afirmação está correta”.

“ O que as massas  se recusam a compreender é a fortuidade de que a realidade é feita. Predispõem-se a todas as ideologias porque estas explicam os fatos como simples exemplos de leis e ignoram as coincidências, inventando uma onipotência  que a tudo atinge e que supostamente está na origem de todo acaso. A propaganda totalitária prospera nesse cima de fuga da realidade para a ficção, da coincidência para coerência”.

“A ascensão de Hitler  ao poder foi legal dentro do sistema majoritário, e ele não poderia ter mantido a liderança de tão grande população, sobrevivido a tantas crises internas e externas, e enfrentado tantos perigos de lutas intrapartidárias, se não tivesse contado com a confiança das massas. Isso também se aplica a Stalin”.

“A atração que o mal e o crime exercem sobre a mentalidade do povo não é novidade. Para o povo os “atos de violência podiam ser perversos, mas eram sinal de esperteza”. Mas o que é desconcertante no sucesso do totalitarismo é o verdadeiro altruísmo de seus adeptos. É compreensível que as convicções de um nazista ou bolchevista não sejam abaladas por crimes cometidos contra os inimigos do movimento; mas o mais espantoso  é que ele não vacila quando o monstro começa a devorar os próprios filhos, nem mesmo quando ele próprio se torna vítima da opressão [...]”.  A morte de Marielle Franco, por exemplo, tem sido comemorada por muitos apoiadores do candidato Bolsonaro, sobretudo, pelos que acreditam que como defensora dos Direitos Humanos, a vereadora do Rio de Janeiro, “seria defensora de criminosos”; deturpando completamente causa e efeito do assassinato.

“Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas que, por um  motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização política. As massas não se unem pela consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em objetivos determinados, limitados e atingíveis. O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua liderança, ou a mistura de ambos, não se podem integrar numa organização baseada no interesse comum, seja partido político, organização profissional ou sindicato dos trabalhadores”.

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