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Domingo, 17 de novembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

25/10/2018 - 16h01

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

25/10/2018 - 16h01

A morte da democracia

Aos longo dos anos de 2017 e 2018 escrevi algumas vezes nesse espaço opinativo sobre o conceito de Democracia e sobre os riscos que corria a imperfeita e jovem democracia brasileira, sobretudo, pela tendência histórica da população, com maior ênfase na elite conservadora, a uma grande amizade recorrente com os militares.
           
 
Hoje, extremamente exausta e triste pela iminência de ver o Brasil mergulhar nas trevas de um regime autoritário, não tenho palavras para externar o desânimo, a angústia e a tristeza que visualizo nos colegas de trabalho, nos alunos, nos jovens, nos amigos músicos, nos amigos gays e em muitos que nos rodeiam. Todos na sociedade do medo. Uma melancolia coletiva tomou conta dos que se recusam a mergulhar na grande bolha de fake news propagadas e confrontadas com as verdades a todo momento, fazendo com a dualidade mentira x verdade perca a razão de existir. O desejo de verdade, foi finalmente substituído por um desejo de mentira. Nietzsche prenunciou isso ao denunciar construções filosóficas e religiosas ainda no século XIX.
           
 
Então hoje, recorro ao sociólogo português Boaventura de Sousa Santos que em artigo publicado no portal SUL21 denunciou detalhadamente que as Democracias também morrem democraticamente.  Em sua análise Boaventura detalha a inserção das forças anti-democráticas dentro das democracias por todo o mundo:

“Ao longo do século passado foi-se consolidando a ideia de que as democracias só colapsavam por via da interrupção brusca e quase sempre violenta da legalidade constitucional, através de golpes de Estado dirigidos por militares ou civis com objetivo de impor a ditadura. Esta narrativa, era em grande medida, verdadeira. Não o é mais. Continuam a ser possíveis rupturas violentas e golpes de Estado, mas é cada vez mais evidente que os perigos que a democracia hoje corre são outros, e decorrem paradoxalmente do normal funcionamento das instituições democráticas.
 
 
As forças políticas anti-democráticas vão-se infiltrando dentro do regime democrático, vão-no capturando, descaracterizando-o, de maneira mais ou menos disfarçada e gradual, dentro da legalidade e sem alterações constitucionais, até que em dado momento o regime político vigente, sem ter formalmente deixado de ser uma democracia, surge como totalmente esvaziado de conteúdo democrático, tanto no que respeita à vida das pessoas como das organizações políticas. Umas e outras passam a comportar-se como se vivessem em ditadura. Menciono a seguir os quatro principais componentes deste processo.
 
 
A eleição de autocratas. Dos EUA às Filipinas, da Turquia à Rússia, da Hungria à Polônia têm vindo a ser eleitos democraticamente políticos autoritários que, embora sejam produto do establisment político e econômico, se apresentam, como anti-sistema e anti-política, insultam os adversários que consideram corruptos e vêem como inimigos a eliminar, rejeitam as regras de jogo democrático, fazem apelos intimidatórios à resolução dos problemas sociais por via da violência, mostram desprezo pela liberdade de imprensa e propõem-se revogar as leis que garantem os direitos sociais dos trabalhadores e das populações discriminadas por via etno-racial, sexual, ou religião. Em suma, apresentam-se a eleições com uma ideologia anti-democrática e, mesmo assim, conseguem obter a maioria dos votos. Políticos autocráticos sempre existiram”.
 
 
Sousa Santos também alerta para o risco das influências perniciosas do mercado no campo político, direcionando escolhas em prol de seus interesses:
 
O vírus plutocrata. O modo como o dinheiro tem vindo a descaracterizar os processos eleitorais e as deliberações democráticas é alarmante. Ao ponto de se dever questionar se, em muitas situações, as eleições são livres e limpas e se os decisores políticos são movidos por convicções ou pelo dinheiro que recebem. A democracia liberal assenta na ideia de que os cidadãos têm condições de aceder a uma opinião pública informada e, com base nela, eleger livremente os governantes e avaliar o seu desempenho. Para que isso seja minimamente possível, é necessário que o mercado das ideias políticas (ou seja, dos valores que não têm preço, porque são convicções) esteja totalmente separado do mercado dos bens econômicos ( ou seja, dos valores que têm preço e nessa base se compram e vendem)”.
 
 
Sousa Santos, por sua vez, realiza ótima análise sobre a influência das fake News no cenário político mundial na atualidade, a ponto de definir eleições nos Estados Unidos e agora no Brasil:
 
As fakenews e os algoritmos. A internet e as redes sociais que ela tornou possível foram durante algum tempo vistas como possibilitando uma expansão sem precedentes da participação cidadã na democracia. Hoje, à luz do que se passa nos EUA e no Brasil, podemos dizer que elas serão as coveiras da democracia, se entretanto não forem reguladas. Refiro-me em especial a dois instrumentos. As notícias falsas sempre existiram em sociedades atravessadas por fortes clivagens e, sobretudo, em períodos de rivalidade política. Hoje, porém, é alarmante o seu potencial destrutivo através da desinformação e da mentira que espalham. Isto é sobretudo grave em países como a Índia e o Brasil, em que as redes sociais, sobretudo o Whatsapp (o conteúdo menos controlável por ser encriptado), são amplamente usadas, a ponto de serem a grande, ou mesmo a única, fonte de informação dos cidadãos (no Brasil, 120 milhões usam o Whatsapp). Grupos de investigação brasileiros denunciaram no New York Times (17 de Outubro) que das 50 imagens mais divulgadas (virais) dos 347 grupos públicos do Whatsapp em apoio de Bolsonaro só 4 eram verdadeiras. Uma delas era uma foto da Dilma Rousseff, candidata ao Senado, com o Fidel Castro na Revolução Cubana. Tratava-se, de fato, de uma montagem feita a partir do registo de John Duprey para o jornal NY Daily News em 1959. Nesse ano Dilma Rousseff era uma criança de 11 anos. Apoiado por grandes empresas internacionais e por serviços de contra-inteligência militar nacionais e estrangeiros, a campanha de Bolsonaro constitui uma monstruosa montagem de mentiras a que dificilmente sobreviverá a democracia brasileira.
 
 
Este efeito destrutivo é potenciado por outro instrumento: o algoritmo. Este termo, de origem árabe, designa o cálculo matemático que permite definir prioridades e tomar decisões rápidas a partir de grandes séries da dados (big data) e de variáveis tendo em vista certos resultados (o sucesso numa empresa ou numa eleição). Apesar da sua aparência neutra e objetiva, o algoritmo contem opiniões subjetivas (o que é ter êxito? Como se define o melhor candidato?) que permanecem ocultas nos cálculos. Quando as empresas são intimadas a revelar os critérios, defendem-se com o segredo empresarial. No campo político, o algoritmo permite retroalimentar e ampliar a divulgação de um tema que está em alta nas redes e que, por isso, o algoritmo considera ser relevante porque popular”. Para Sousa Santos, o cidadão “[..] não tem condições para distinguir o verdadeiro do falso e o efeito é tanto mais destrutivo quanto mais vulnerável for a população à mentira. Foi assim que em 17 países se manipularam recentemente as preferências eleitorais, entre eles os EUA (a favor de Trump) e agora, no Brasil (a favor de Bolsonaro) numa proporção que pode ser fatal para a democracia. Sobreviverá a opinião pública a este tóxico informacional? Terá a informação verdadeira alguma chance de resistir a esta avalanche de falsidades?”.
           
 
Fica a dica do sociólogo Boaventurade Sousa Santos. Ainda há tempo. Repense.
 

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