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Segunda-feira, 18 de novembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

08/06/2015 - 13h17

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

08/06/2015 - 13h17

Quando a palavra violência não resume as ações e a monstruosidade se revela em lugar da humanidade

Será que voltamos ao limiar da barbárie? Será que retornamos a um tempo em que o senso de humanidade e de cordialidade ainda não havia aflorado entre os nossos antepassados? Historicamente não é possível, pois temos milhares e milhares de anos de aprendizado. Criamos a figura do rei, criamos a instituição do Estado onde colocamos representantes a quem delegamos poderes para em nosso nos governar. Criamos as leis que devem traduzir a ética e moral públicas. Então não é possível nos comportarmos como animais pré-históricos, contudo é o que está acontecendo no mundo, no Brasil e em nossa pequena aldeia.

 

 

Os crimes hediondos praticados em Castelo do Piauí contra meninas adolescentes nos mostram o lado monstruoso dos seres humanos, na verdade desumanos. Por um outro lado, temos ciência de que a situação é bem complexa e pode ser analisada por diversos prismas, visto que envolve inúmeras variáveis intermitentes, desde a ausência de uma educação cultural; a ausência de imperativos éticos fortemente embasados na religião e na família; a ausência de oportunidades de crescimento para jovens que vivem em distantes lugares; a permissividade para o tráfico de drogas, visto que não temos aparato de segurança pública capaz de coibir completamente tal prática; a flexibilidade legal para as punições de quem pratica o tráfico e principalmente, para quem pratica atos de violência monstruosos contra as mulheres; a cultura do machismo exacerbada,  dentre outros ângulos através dos quais podemos abordar a problemática que nos bate à porta.

           

 

Assim considerando que não posso nesse espaço analisar todos os aspectos envolvidos e que não tenho capacidade para tanto, me limitarei a tratar da violência contra a mulher que ao contrário do que se espera com o desenvolvimento social e econômico das nações, está crescendo e não diminuído.

 

O Relatório da Subcomissão especial para debater o tema da violência contra a mulher; subcomissão constituída em 2013 dentro da Comissão de Seguridade Social e da Família da Câmara Federal, apresenta números absurdos de casos de violência e o pior, números da impunidade. O relatório encontra-se disponível no portal Câmara.

           

 

De acordo com o Relatório mencionado o Brasil ocupa a 7ª maior taxa de assassinatos de mulheres no mundo segundo a Organização das Nações Unidas. Esses dados foram apurados considerando 84 países estudados entre 2006 e 2010. Ainda segundo o Relatório “de acordo com o Mapa da Violência 2012 sobre o Homicídio de Mulheres no Brasil (Julio Jacobo Waiselfisz – FLACSO/CEBELA), entre 2000 e 2010 foram assassinadas 43.654 mulheres. Entre 1980 e 2010 a taxa de homicídios femininos, para cada 100 mil mulheres, subiu assustadores 230%. Após a promulgação da Lei Maria da Penha o número absoluto e a taxa de assassinatos caíram. Mas isso durou pouco, tendo em 2010 o índice alcançado sua maior escala novamente”.

           

 

No que se refere a prática do estupro o 7º anuário brasileiro sobre segurança pública publicado em 2013 com dados de 2012 falava em 50 mil casos de violência sexual , a grande maioria contra mulheres. Mulheres vítimas, não só de homens inescrupulosos e doentes, mas vítimas de uma sociedade que condena as mulheres por serem agredidas fisicamente e moralmente, o que as faz temer denunciar porque se assim o fizerem terão suas reputações manchadas e serão perseguidas.

           

 

O caso de Castelo do Piauí mais uma vez é exemplar ao reacender o debate sobre a culpabilidade das próprias vítimas em relação ao crime que sofreram. Esse  debate reflete os tempos absurdamente loucos em que vivemos e a sociedade de valores invertidos que se impõe, em que de nos preocuparmos em educar  homens para a não violência, discriminamos as mulheres simplesmente porque ousam ser mulheres, porque querem usufruir do direito de ir e vir.

           

 

O Relatório da Subcomissão especial para debater o tema da violência contra a mulher inicia analisando quatro casos emblemáticos no Piauí e em quase todos eles,   aponta negligência e conivência da Justiça para com os agressores, preconceito da polícia e falta de apoio. Uma simples leitura do Relatório mencionado que apresenta vários outros casos de violência em alguns estados brasileiros nos enche de revolta ao ver que mesmo em pleno século XXI, em que a mulher possui papel de destaque na sociedade, ainda passamos por tanta humilhação e sofremos tanta violência, imposta pela força bruta, imposta pela SELVAGERIA e pela COVARDIA dos homens, que não contentes e ocupando cargos de poder no aparato policial ou na magistratura depõem a favor de monstros e contra as vítimas, transformando as mulheres em culpadas por serem mulheres.

           

 

Todos lembram do polêmico relatório do IPEA-Instituto de Pesquisas Aplicadas,  publicado em 2014, que apresentou resultados sobre uma pesquisa realizada entre maio e junho de 2013 e que tratava sobre Violência doméstica, Estupro, Homossexuais e Machismo e cujos resultados deram origem a campanha virtual : Eu não mereço ser estuprada!  E que mesmo com a posterior correção dos dados, afirmando que não é a maioria da população pesquisada que concordava que as mulheres que mostram o corpo merecem ser estupradas, mas sim uma minoria; ainda assim, percebemos no Brasil um pensamento machista, conservador que apenas protege os criminosos covardes e que não contribui absolutamente para que os crimes contra as mulheres e crianças sejam punidos. Lembrando que essa mesma pesquisa apontava que mais de 50% dos casos de estupros são cometidos contra menores.

           

 

Em 2013, em um artigo sobre a violência contra a mulher, eu falava nesta coluna que estamos vivenciando uma guerra entre sexos. Uma guerra em que a mulher e as crianças são as maiores vítimas, uma guerra que não sensibiliza os homens que ocupam a maior parte das posições de poder no Estado e em vários outros espaços da sociedade. Resta nos unirmos, denunciarmos e exigirmos punição.

           

 

Vale ponderar que historicamente o predomínio do poder masculino sobre o feminino se deu a partir de uma educação cultural em que a mulher educa seu filho diferentemente de sua filha, propagando e replicando a cultura machista, de que as mulheres devem ser santas e submissas, ou serão castigadas.

           

 

E por falar em cultura machista vale lembrar ainda que a Pesquisa do IPEA já mencionada acima, afirmava que 63% dos entrevistados, acreditam que o homem dever ser o cabeça do lar, o que por sinal não reflete em absoluto a realidade brasileira em que a mulher mantém a maioria dos lares.  A outra questão a relembrar é uma das máximas do machismo, pois 55% dos entrevistados concordam que existe mulher para casar e mulher para a cama. Para casar as santas, para o prazer as que não podem ser domadas e não se submetem ao sistema machista.

           

 

Por fim encerro meu artigo de hoje afirmando que nenhuma mulher, em nenhuma situação, merece ser estuprada e reafirmo como o fiz em abril de 2014, que sou favorável a adoção de penas maiores e compatíveis com o crime hediondo que é o estupro, ou seja, bem maiores do que os previstos em lei: máximo de 12 anos para vítimas não fatais e 30 anos para vítimas fatais.

           

 

De fato, precisamos propagar humanidade, a cordialidade e pregar a não violência, sempre em busca da paz, mas devemos exigir punição para atos de monstruosidade.

Ana Regina Rêgo

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