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Domingo, 17 de novembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

16/07/2020 - 11h46

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Ana Regina Rêgo

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16/07/2020 - 11h46

A POLITIZAÇÃO DA COVID 19 E A NATURALIZAÇÃO DAS DESIGUALDADES

Tenho visto e ouvido várias pessoas criticarem a “politização” da COVID. Nesse sentido, portanto, o convite hoje aos leitores desta coluna é olhar o fenômeno de longe e sair do senso comum. Não é fácil visto que há uma complexidade contextual que envolve fenômenos intermitentes, mas creio que é possível. 


Em primeiro lugar: o que é Política? E porque a naturalização da política faz com que as pessoas confiem em pseudo políticos que se dizem outsiders?  Jacques Rancière nos diz que a política existe onde quer que a contagem das partes e das “partes” da sociedade é perturbada pela inscrição de uma parte dos sem-parte. Ela começa quando a igualdade de qualquer um com qualquer um inscreve-se como liberdade do povo. A política existe enquanto as formas de subjetivação singulares renovarem as formas da inscrição primária da identidade entre o todo da comunidade e o nada que a separa de si mesma, quer dizer, da mera contagem das partes. A política deixa de existir ali onde não tem mais lugar essa distância, onde o todo da comunidade é reduzido sem resto à soma de suas “partes”. 

 Hannah Arendt em outro ambiente, enfatiza que a política tem como base a pluralidade entre os homens e trata da convivência entre as diferenças. “Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças”. O sentido de político, entretanto, enfrenta inúmeros preconceitos que sob o discurso de uma antipolítica, prega a eliminação da política, em quem se põe a culpa pelas violências e males sofridos pela humanidade. Nas sombras de uma discursividade anti ou a-política revela-se a intencionalidade de dominação dos que praticam uma política parcial, sobre os que foram convencidos a não se envolver nos processos de ação em sociedade, omitindo-se e deixando-se dominar e ainda sobre os que não tem poder de coerção para exercer a política, visto que são historicamente e reiteradamente postos na condição de dominados. 

E o que é Politização? Para além de atribuir um caráter político numa concepção naturalizada do que é político. Politizar é colocar em ação, é conscientizar para a importância da consciência política, portanto, sem a conotação negativa do senso comum. 

E porque politizar a COVID 19? No dia 14 de maio eu publiquei nesta coluna um artigo intitulado A Covid 19 e a exposição da desigualdade no mundo que teve como ponto de partida tanto o livro do Boaventura de Sousa Santos, como a observação que fazemos dos abismos sociais e econômicos do nosso país. O livro de Boaventura tem como título A Cruel pedagogia do vírus e, em suas páginas, o autor enumera como o vírus expôs as grandes desigualdades no mundo reiterando a vulnerabilidade dos mais pobres, das comunidades negras, dos quilombolas edos indígenas, das mulheres, das pessoas LGBTs e dos idosos, desmascarando o discurso que minimiza o tamanho do problema mundial ao afirmar que estamos todos no mesmo barco. NÃO ESTAMOS. Nós que podemos trabalhar a partir de nossas casas somos privilegiados, os que necessitam sair para o trabalho não são apenas os profissionais de saúde da linha de frente, que aliás também foram arrolados na lista dos vulneráveis não somente pela exposição ao vírus, mas por contrariarem a ignorância vigente e construída por uma desordem política, que não é privilégio só do nosso país. Muitos precisam sair para trabalhar porque se não o fizerem, morrem de fome, além dos que trabalham em ocupações imprescindíveis para que a sociedade continue com um mínimo de ordem e segurança, como os catadores de lixo, os motoristas de transporte público, os funcionários de comércios de alimentação, os motoristas de aplicativos, os policiais, dentre inúmeras e inúmeras outras ocupações que não puderam parar e que de alguma forma contribuíram para o aumento dos casos e das mortes, porque terminam por se contaminar e contaminar aos seus. 

Logo estar alerta politicamente é DEVER do cidadão, pois compreendemos que o Auxílio Emergencial, por exemplo, que o governo está pagando a partir da aprovação no Congresso com aumento para R$ 600,00,valor bem superior ao proposto pelo desgoverno, foi conseguido somente a partir das manifestações sociais e pressões aos congressistas. Isso significa incluir os “sem parte” no bolo. Sem o auxílio e muitos continuam sem  receber, a maioria dos brasileiros não tem como sobreviver nesse momento e, é por isso que grande parte do país se arrisca a adquirir o vírus porque tem que trabalhar ou ficar em casa e não ter o que comer. Ainda no campo econômico a luta é imensa e precisamos estar alertas, pois se por um lado existe um discurso demagógico do governo anunciando ajuda às micro e pequenas empresas, por outro, o dinheiro não está chegando aos micro e pequenos empresários, está indo por outro caminho e chegando como socorro aos bancos e às grandes empresas. Aliás como bem deixou claro o Sr.  Paulo Guedes na reunião Ministerial do final de 22 deabril do corrente ano, amplamente divulgada pela mídia brasileira. 

Mas o alerta não se resume aos problemas econômicos porque a pandemia configura uma crise sanitária de dimensões gigantescas. O alerta do cidadão e a necessária politização consciente é tanto para que as estruturas hospitalares sejam ampliadas, mas também para que a conscientização da população sobre as medidas historicamente resolutivas de prevenção sejam adotadas. Em todas as pandemias dos últimos séculos o isolamento, o distanciamento e até mesmo o uso de máscaras foi adotado. Por outro lado, significa sim, ouvir a comunidade científica que está em pesquisando no mundo inteiro, mas também significa respeitar o médico que não tendo medicamentos ainda definidos para o combate ao novo coronavírus pode em seu contrato ético com o paciente e em um momento que necessita rapidez na resolução, optar pelo que lhe parece mais adequado em uma situação limítrofe. Isso muito diverge de uma demagógica ação profilática de medicamentos cujos testes foram realizados somente in vitro e que não tem o aval das instituições que representam as áreas científicas envolvidas, muito menos são autorizados pela ANVISA. Sobre o uso da ivermectina, por exemplo, a ANVISA em nota publicada em 10 de julho, foi bastante cautelosa e diz que não há comprovação de que tem ação profilática em relação ao novo coronavírus, somente recomendando o uso para o que está descrito na bula.  Já a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia é bem contundente e se coloca em posição contrária à prescrição indiscriminada de medicamentos que estão levando as pessoas às farmácias para consumir alguma coisa que pode não ter nenhum efeito sobre o vírus e que ainda podem se debilitar pelo próprio medicamento ( https://sbpt.org.br/portal/sbpt-profilaxia-tratamento-covid-19/), mesma posição da cientista e médica da FioCruz Margareth Dalcomo que se faz acompanhar por outros cientistas brasileiros.

Nesse momento, temos sim que nos manter alerta porque o fascismo (fascismo enquanto Ur-Fascismo, como bem fala Humberto Eco e que se utiliza de métodos do fascismo histórico para dominar a partir de um falso discurso democrático e também religioso, dentre outras características facilmente identificáveis) instalado no Planalto quer “passar a boiada” em todas as áreas, inclusive, vetando o uso de máscaras, para facilitar nãosomente a pretendida imunização coletiva às custas do genocídio de nosso povo, mas para potencializar o genocídio da população mais pobre e vulnerável. Mas a “boiada” envolve todas as áreas e envolve um mercado dadesinformação com quem lutamos diariamente, enquanto cientistas da comunicação, onde observamos um crescente número de informações imprecisas proferidas, inclusive,por profissionais da saúde, assim como, um considerável número de narrativas desinformacionais que partem do atual governo brasileiro e de seus aliados.

Então é preciso sim, politizar, porque estamos, por exemplo, há quase dois meses sem Ministro da Saúde. No cargo o General Eduardo Pazuello segue de forma interinasem perfil adequado. É preciso politizar porque precisamos lutar por transparência tanto no Ministério da Saúde quando no desgoverno vigente. A ausência de informações oficiais sobre o crescente número de óbitos,em determinado momento da pandemia e das idiossincrasias do Presidente Jair Bolsonaro, obrigou os veículos de comunicação a criar um consórcio em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde para que pudéssemos ter números confiáveis, o que por sua vez, obrigou o Ministério a criar um local específico para os dados sobre a COVID 19.

​Precisamos politizar porque precisamos lutar por melhores condições de trabalho para os profissionais da área de saúde que estão se contaminando e morrendo. Porque precisamos lutar por melhores condições de vida para todo o povo brasileiro.

Segundo o próprio Ministério da Saúde, até ontem, 15 de julho, já tínhamos no Brasil 1.966.748 contaminados, sendo que 39.924 apenas nas últimas 24 horas. Com um número de óbitos de 75.366 sendo 1.233 mortes nas últimas 24 horas. 
Vale ainda destacar os alertas dos cientistas sobre os casos não notificados que podem ser até 10 vezes mais do que os já conhecidos.

Quem puder fique em casa para ajudar a quem não pode ficar e para proteger a todos. Desejamos saúde e proteção e SOMOS RESISTÊNCIA!!!

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