Domingo, 30 de agosto, fui à Parada da Diversidade e não fui sozinha fui com quase toda a família e o que vi me emocionou. O que presenciei me encheu de otimismo porque se lá estavam mais de 100 mil pessoas, eram mais de 100 mil pessoas tolerantes e que se respeitam e respeitam o outro, mesmo que os pensamentos, as ideologias e as opções sejam distintas.
Em meio à festa colorida, casais heterossexuais e casais homossexuais, sem exageros, sem necessidade de agressão, se confraternizavam, porque o espaço era plural e receptivo a todos. Crianças, mulheres grávidas, tribos fantasiadas, um mar de gente comemorando a vida e a paz.
O evento que é antes de tudo político e procura visibilizar os problemas e a luta pelos direitos dos grupos LGBT-Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros, tem conseguido extrapolar um posicionamento bélico, necessário em muitos momentos face a violência sofrida por homossexuais diariamente em nosso país, e, tem conseguido sensibilizar e dialogar com a sociedade. O Grupo Matizes e os demais organizadores e apoiadores estão de parabéns, não somente pela parada e pelos eventos de esclarecimento, debate e aprofundamento de pesquisas, mas pela luta incansável.
Contudo, o Brasil e nele a nossa cidade, o nosso lugar ainda se reveste de vários tipos de violência contra quem ousa ser diferente do que foi definido culturalmente como normal, através de um acordo social forjado nas bases de uma sociedade em que a falsa moral se exacerba e se coloca acima do direito à vida. Os números de atentados contra a vida, os números de assassinatos de cidadãos dos grupos LGBT são tão alarmantes quantos os que se referem à mulher, sendo que muitas vezes esses números se misturam, dependendo do tipo de crime.
Todavia, um dos crimes mais comuns talvez seja a falta de respeito manifesta através das agressões morais verbalizadas a todo momento e em diversas situações; muitas em tom de brincadeira ( brincadeira que fere), outras em tom intencionalmente agressivo; em ambas as ocasiões há o desejo de desqualificar o ser humano. No mesmo rol podemos colocar as agressões morais contra a mulher, os negros, nós nordestinos, os asiáticos, os mulçumanos e tantos outros grupos e minorias.
O interessante, no entanto, é perceber que um grupo marginalizado de um lado, passa a ser o marginalizador em outra situação, esquecendo que também faz parte de uma minoria ainda incompreendida socialmente. Incompreendida no sentido de que a sociedade que se auto intitula “normal” e de referência não consegue enxergar os seres humanos por trás dos estereótipos e das representações sociais e coletivas que se criam e se multiplicam midiaticamente. Por exemplo, homens de quaisquer das categorias acima elencadas que agridem mulheres e homossexuais, seja verbalmente, seja fisicamente.
No mesmo viés dos estereótipos culturais, a heteronormatividade pensada por muitos como uma condição humana deixada por Deus é na verdade uma construção discursiva que remete à formação das sociedades no limiar da barbárie, mas que só veio se colocar imperiosa milênios depois, impulsionada por uma motivação econômica, qual seja: propriedade privada e direito de herança, e, por uma motivação religiosa: o imperativo ético de que nos fala Kant.
Em meu ponto de vista, entretanto, a heteronormatividade não se encontra relacionada a uma condição de amor e de família, visto que família é amor e o amor não se restringe ao ato sexual. Convivo desde adolescente com amigas e amigos homossexuais, muitos com relacionamentos estáveis há décadas, com filhos adotados e criados e não os considero pecadores, nem tampouco anormais, simplesmente porque não tenho direito de julgar ninguém e nem mesmo sei o que é ou pode ser verdadeiramente normal. Em verdade, raramente me lembro que a opção dos meus amigos é distinta da minha. Apenas os respeito como amigos, pelo trabalho, pela compreensão e pelo amor demonstram.
Aonde há amor com certeza Deus está presente. Então por que tanta incompreensão, por que tanta perseguição, por que tanta necessidade de distinção do núcleo familiar? Por que sempre estamos atrás de nomearmos alguém ou algo como normal e bom e outro que não se enquadra no mesmo modelo, de anormal e ruim. Nietzsche, sempre Nietzsche, surge para nos esclarecer as lutas por posições de poder, pelo direito de dizer o que é o bem e o que é o mal, ou que o bom e o que é o ruim, com vistas a uma legitimação pelo direito de ser, que implica no direito de ir e vir, e, portanto, no direito de viver tranquilamente sem ser importunado pelo preconceito alheio.
E aí mais uma vez pergunto nesse espaço opinativo: -Que país é esse? Estranho país em que as pessoas se dizem pessoas de Deus, decoram a Bíblia e falam de Cristo como um exemplo. Alguns chegam a afirmar em suas pregações de sedução que Deus fala por suas bocas, mas não seguem seus ensinamentos, não respeitam o próximo, não aceitam o diferente.
Uma intolerância religiosa que beira ao fanatismo tem impregnado nossa sociedade e tem atingido os alicerces do respeito entre os cidadãos. Em suas bases a ausência de conhecimento crítico e a cegueira frente ao que deveria ser o objetivo verdadeiro das religiões, qual seja: conduzir as sociedades rumo a paz. Uma intolerância cega que aceita todo tipo de união e casamento entre heterossexuais, que muitas vezes casam-se não uma, nem duas ou três, mas várias vezes, contudo, como o fazem sempre dentro de instituições religiosas e se concretizam entre homens e mulheres são considerados normais. Enquanto que casais homossexuais perenes são grandes agressores da moral e da família brasileira.
Falsa moral essa que guia um modelo de família, muitas vezes esfacelado e consumido pelo ódio interno, mas construída em cima de opções que devemos respeitar. Então porque não se respeitam as demais opções adotando o lema de viver e deixar viver.
Os discursos, entretanto, são díspares e se distanciam do amor ao próximo para se revestirem de ódio gratuito pelo modo de ser e viver diferente. Homens teoricamente esclarecidos, carregam no íntimo o preconceito transmitido culturalmente pelos ensinamentos machistas e chegam a agredir mulheres, homossexuais e todos que julgam ser inferiores à sua força bruta; muitos dos que assim agem, não possuem argumentos intelectuais suficientes para estabelecer um diálogo, muito menos civilidade suficiente para respeitar o que o outro.
Pelo exposto e contra todo tipo de violência contra a mulher, contra os grupos LGBT, contra os negros, contra as crianças, contra os idosos, creio que está na hora de abrirmos os olhos para ver o outro, abrirmos os ouvidos para ouvir o clamor do outro. Creio também que podemos nos valer da filosofia Satyagraha criada por Mahatma Gandhi e marcada pela resistência e luta não-violenta, em que as ações de amor marcam a pauta e podem abrir os corações mais endurecidos.
Que a PAZ reine em nossa sociedade doente pelo ódio gratuito! E um beijo colorido nessa linda primavera teresinense para todos os meus leitores.
Ana Regina Rêgo
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião desta página, se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.