Sexta-feira, 13 de novembro, recolhi-me para concluir a apresentação de um livro que estamos organizando e que tem como temática central: regimes ditatoriais. Na ocasião, reli rapidamente o livro Origens do Totalitarismo de Hannah Arendt, livro que aliás, tenho citado com certa recorrência neste espaço opinativo. Minha percepção sobre o texto da autora é de que o mesmo continua extremamente atual.
Algumas horas depois de concluir o trabalho ao qual me propusera, tomei conhecimento dos atentados terroristas em Paris e nesse momento fui tomada pela indignação, pela emoção e pelo medo. Tive medo pelos amigos que lá vivem, tive medo pelos amigos que vivem espalhados pela Europa e, em verdade, tive medo pela consciência presente de que o “barril de pólvora” que expõe o chamado choque de civilizações, como nos fala Edgar Morin, sempre esteve pronto a explodir.
Nesse momento, todas as questões da minha pesquisa histórica sobre os grandes conflitos dos séculos XIX e XX vieram à tona. Todas as decisões políticas do hemisfério norte em relação ao sul, que tanto mal tem causado à humanidade retornaram e aí, sim mais uma vez senti muito medo. Retornei a Hannah Arendt e de seu prefácio à primeira edição do livro acima mencionado, retirei e postei em meu perfil na rede social facebook, a seguinte frase: “Nunca antes o nosso futuro foi mais imprevisível, nunca dependemos tanto de forças políticas que podem a qualquer instante fugir às regras do bom senso e do interesse próprio, forças que pareceriam insanas se fossem medidas pelos padrões dos séculos anteriores”. Hannah Arendt escreveu isso em 1950, poucos anos após o final da segunda grande guerra e eu, mais do que em qualquer outro momento de investigação científica, me identifiquei com autora, porque de certa forma passamos a sentir o que sentia a sociedade de então, naquele contexto.
Como se sabe o EL-Estado Islâmico nasceu no Iraque, após a invasão de 2003 pelo governo norte-americano que então, informava ao mundo o desejo de livrar aquele país das armas de destruição em massa, nunca encontradas. Essa investida contra Saddam Hussein foi uma mais uma ação bélica dos americanos tendo como motivação a derrubada, dois anos antes, das Torres Gêmeas em Nova York pela Al-Qaeda, Grupo Terrorista que se projetou pelo mundo com ações lideradas por Osama Bin Laden. Aliás, as famílias de George W. Bush, ex-Presidente dos Estados Unidos e de Osama Bin Laden foram sócias em indústrias petrolíferas, e, os pais de ambos foram amigos. Essa informação, por sinal, não é nem teoria da conspiração, nem segredo para ninguém.
O fato é que por trás das investidas de ambos havia tanto uma reação ao modo de vida ocidental disseminado mundo à fora pelos processos mercadológicos, como uma investida direta e tentativa de dominação das maiores reservas de petróleo do mundo.
Nesse complexo contexto que não tenho competência e nem pretendo explicar, nasceram não somente a Al-Qaeda como, posteriormente, o Hamas, o Estado Islâmico e o Grupo Extremista Boko Haram, todos travam uma guerra declarada contra o ocidente e seus valores, ao ponto de cometerem assassinatos em massa, sendo o de Paris um dos exemplos que podemos mencionar, mas que nem de longe é o maior.
Em 2014 o EL proclamou o Califado e tem feito ações não somente de combate ao ocidente, como também tem atacado diretamente a população civil da Síria e do Iraque, assinando infiéis, raptando mulheres e crianças, estuprando sem piedade, em suma, cometendo inúmeras atrocidades, em nome de um Deus sanguinário, deturpando a própria religião, do mesmo modo que o Boko Haram, cujos assassinatos se tornaram incontáveis. Para morrer nesse mundo, basta pensar e crer diferente.
A Jihad, guerra santa, adotada pelo Estado Islâmico possui similaridades com o modus operandi de outras organizações terroristas, como a Al-Qaeda ou o Hamas e que tem como objetivo expandir o modelo teocrático radical islâmico e sua intervenção direta nos governos pelo mundo, por meio dos métodos que priorizam o terror.
A responsabilidade do ocidente é inquestionável, a exploração, a imposição ideológica, etc., muito têm contribuído para a atual situação, contudo, a deturpação da religião e o fanatismo crescente também. Deus mais uma vez é o centro de tudo. Nada de Deus amor, somente Deus ódio, Deus assassino, um Deus construído discursivamente para invadir mentes sem preparação crítica suficiente para contestar o que se põe como lei, como verdade única. E assim, como bem nos alerta Hannah Arendt estamos sujeitos às decisões de líderes políticos e de fanáticos que muitas vezes se afastam do bom senso e colocam a população civil mundial em risco.
Todavia, as faces aqui apontadas por mim, nem de longe dão conta do complexo contexto em que o mundo se encontra mergulhado; mundo em que refugiados fogem da guerra deflagrada pelo EL na Síria e no Iraque e onde as grandes potências “derramam” bombas diariamente; mundo em que mulheres e crianças são vítimas do Boko Haram na África dia-a-dia; mundo em que o Brasil vivencia uma guerra civil silenciada e que deixa centenas de mortos a cada semana; mundo em que no Brasil os estupros contra mulheres e crianças são tolerados por uma sociedade hipócrita; mundo em que no Brasil os homossexuais continuam a ser perseguidos; mundo em que as grandes empresas como a SAMARCO cometem grandes crimes contra a natureza e contra vida humana, principalmente, porque a sustentabilidade ambiental que prega em suas peças publicitárias institucionais não existe de fato e apenas mascara o interesse na sustentabilidade financeira, explorando a natureza e as pessoas.
Nessa conjuntura cheia de meandros e deslizes, a babel das redes sociais passa a julgar quem se indignou pela França, passa a julgar quem, por um motivo ou outro, não chegou a demonstrar sua indignação com os atos de violência de nosso país, passa a perseguir e chamar de alienados, quem por desconhecimento, não sabe dos absurdos que ocorrem na África, já que a mídia não dá destaque aquele continente com frequência.
Pois bem, todos os sentimentos antes elencados também me invadiram ao saber do grande crime ambiental em Bento Rodrigues- Mariana e postei tudo o que se referia aos males da empresa citada. Pois bem, eu tenho denunciado a violência nossa de cada dia, não só nesse espaço opinativo, mas também em meu blog e nas redes sociais; tenho gritado pela vida e pelos direitos de nós mulheres; tenho me indignado com as tragédias de nosso lugar, como o assassinato brutal do jornalista Elson Feitosa recentemente, mas eu também sofri pela França e me mudei meu perfil em solidariedade àquele povo.
Que os iluminados me julguem alienada, pouco me importa. Saber que a mídia utiliza mecanismos de silenciamento todos sabemos, contudo, muito antes de silenciar pautas sociais gritantes colocando outras no lugar, a mídia já trabalha, muitas vezes, de forma orquestrada para dar a sua visão dos acontecimentos, visão esta que atende aos interesses mercadológicos e políticos de seu entorno.
Ter respeito e solidariedade pelos mortos de Paris, não significa nem de longe deixar de chorar por Mariana, por Fortaleza, pelas meninas de Castelo do Piauí, pelas vítimas de Algodões. Pergunto-lhes o que tem feito para ajudar o próximo? O que tem feito para mudar realidades? Ficar batendo boca nas redes sociais como dono da verdade não ajuda em nada. Acredito que nos falta sentimento. Acredito que nos falta empatia. Acredito que devemos nos colocar cada vez mais no lugar do outro. Acredito que devemos procurar a PAZ em nós e difundi-la a todos, independente de cor, ideologia e credo! Que a PAZ esteja com todos!
Ana Regina Rêgo
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