O título do meu artigo de hoje é emprestado de um pequeno livro que contém duas conferências proferidas respectivamente por Jean Braudillard e Edgar Morin no Instituto do Mundo Árabe na França, logo após o ataque às torres gêmeas (TwinTowers) em Nova York, em 11 de setembro de 2001. Nesse sentido, trago não apenas o título, como também, as ponderações dos dois filósofos, pois apesar da distância temporal em relação ao momento em que se posicionaram frente aos problemas do terrorismo no mundo, suas falas mais que nunca estão atuais e necessárias.
Naquele contexto que não se encontra dissociado do atual, Baudrillard analisava a simbologia que as torres representavam em relação ao mundo capitalista ocidental frente a um outro modo de vida. Em sua concepção, o desmoronamento das torres foi o acontecimento simbólico mais importante, tanto porque representou não somente uma espécie de vingança pelas invasões e imposição dos padrões de vida ocidental nas esferas econômica e cultural aos orientais; como também, porque expôs a fragilidade do próprio sistema, que no fundo seria cúmplice e culpado por sua destruição simbólica naquele momento. Para Baudrillard, a violência terrorista não se situa na esfera do real e não é facilmentecombatida. Ela é pior, porque é simbólica e portanto, é geradora de singularidade, capaz de vitimar grande número de pessoas, mas, principalmente, de criar manchas indestrutíveis nas sociedades e em suas ideologias e crenças mais caras.
A singularidade do acontecimento terrorista não se manifesta somente em sua unicidade eventual, mas no seu potencial de ruptura na ordem prevista. Os acontecimentos do 11 de setembro, se tornaram um marco da invasão do ocidente pelo oriente através do simbólico, da violência simbólica, para a qual a vida humana não passa de simples figurante.
Diferentemente da violência comum encontrada com frequência nas sociedades e que normalmente tendem a regenerar o sistema, a violência simbólica se constitui em real ameaça ao sistema vigente, e, ademais não apresenta alternativas.
Vale ressaltar que para Baudrillard como Morin, como também para Chomsky, a violência que toma a forma de terrorismo nasce e se constitui como uma reação ao sistema ocidental capitalista que tenta impor seus valores, seu mercado e tudo o mais a todas as culturas e que tem como um dos pilares de constituição a proclamada liberdade de expressão, embora, essa liberdade seja parcialmente dada, somente a quem tem o direito de falar e que fale sobre o que se deseja ouvir.
E é nesse sentido que Morin realiza sua análise trazendo a globalização como um fenômeno que contribuiu para “unificar” o planeta, o que não saiu de graça, já que terminou gerando uma ferrenha oposição, face a unidade pretendida, e que se manifesta na necessidade de salvaguarda das identidades nacionais, culturais e religiosas. Esse movimento de reação termina sendo um movimento de regressão já que o sistema, em pauta, o capitalista, não conseguiu cumprir com suas promessas fazendo com que o progresso antes previsto como infinitoviesse a não se concretizar, logo gerando insatisfação e angústia, como a que vivemos nos dias atuais. Pois bem, esse movimento terminou levando os insatisfeitos aos valores do passado. Muitos passama cultuar modos de vida anteriores que extra-temporais, terminam por gerar desejos, pensamentos e ideologias conservadoras, nacionalistas exacerbadas e fundamentalistas.
O fato é que de 2001 para cá, com todas as ações e reações imperialistas contra as culturas orientais,acirrou-se o choque de civilizações a que já se referiu Morin em outra ocasião e que vem evoluindo e se transformando em um choque de barbárie, em violência simbólica programada estrategicamente com o bom aproveitamento das oportunidades ofertadas pelas redes sociais.
Em janeiro de 2015 novo ataque terrorista ganha proporções simbólicas bem maiores que as da violência real, isso se comparado às ações do BokoHaram na África que vem raptando, mutilando e assassinando milhares de pessoas diariamente e cuja repercussão midiática é bem menor que os ataques ao berço do ocidente. O ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo foi simbólico porque atacou no centro de uma das nações quemelhor representa a civilização ocidental, na atualidade; um dos pilares dessa cultura, que é a liberdade de expressão. Mesmo considerando que os terroristas possuíam um alvo específico, ou seja, o jornal e sua equipe, enquanto corpo que produzia as charges que ridicularizavam o profeta Maomé e Alá, seu Deus; é perceptível que o ataque não atingiu somente o Charlie Hebdo, mas toda a imprensa ocidental, sobretudo, a satírica e seu direito de se expressar livremente.
Em novembro de 2015 novos ataques em Paris, dessa vez, na casa de shows Bataclan e em alguns outros pontos da cidade, vieram trazer de volta, a insegurança e o terror aos habitantes daquela cidade, vítimas de um sistema político que procura soluções bélicas e não o diálogo, já que de fato é difícil e em muitos casos impossível dialogar com o terror. A França declarou guerra ao Estado Islâmico e tem tido como resposta a convivência com o medo e com a violência simbólica. As vidas francesas ceifadas tornam-se somente símbolos da fragilidade do sistema ocidental e revela a impotência que as tecnologias bélicas de grande porte possuem frente a esse tipo de organização que se articula em rede e nas sombras.
Recentemente,SalahAbdeslam, um dos estrategistas dos ataques de novembroem Paris, foi preso em Bruxelas na Bélgica. A retaliação do Estado Islâmico já começou com os ataques ao metrô e ao aeroporto daquela cidade, ou seja, o ocidente e, em especial, a Europa, por sua posição geográfica estratégica encontra-se no centro do conflito de civilizações cuja motivação religiosa se faz mais visível, mas que congrega inúmeras outras questões.
Os esforços e as vozes dos líderes das grandes religiões orientais e ocidentais parecem não ter alcance junto aos líderes dos grupos extremistas Estado Islâmico eBokoHaram, dentre outros, nem junto aos líderes das grandes nações. E aqui chamo novamente Morin que já naqueles dias chamava para o diálogo. Para ele, sobretudo, “ as religiões deveriam ser capazes de se unir a partir dos pontos que tem em comum: a universalidade, a solidariedade, a caridade, no sentido profundo da palavra “vertu”, que vem do coração, a compaixão que pode desempenhar um papel muito fecundo para o nosso planeta” .
E o que o Brasil tem com isso? Muito. Basta olhar ao redor e ver o quanto as posturas conservadoras vem ganhando espaço. Basta olhar ao redor e ver o quanto as religiões estão se espalhando e criando muros entre seus adeptos, cada uma dona de uma verdade que se coloca como a verdade do bem, em oposição a todas as outras que em seus pontos de vista representam o mal. Cuidemos então de criar possibilidades e oportunidadespara o diálogo, caso contrário, cairemos no mesmo abismo em que se encontram as sociedades reféns do terrorismo na atualidade.
Ana Regina Rêgo
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