Hoje, cedo meu espaço opinativo para dar voz ao Grupo de Pesquisa SEXGEN-Sexualidade, Corpo e Gênero que se manifesta contra a decisão dos vereadores de Teresina que votaram contra a inclusão, no plano municipal de educação, das discussões de gênero. Este texto, portanto, não é de minha autoria e sim das pesquisadoras relacionadas ao final, contudo ao publicá-lo em meu espaço opinativo, eu estou assinando o manifesto e aderindo à causa. A ideia é sensibilizar e esclarecer a sociedade e, principalmente, os vereadores sobre a importância do conhecimento para desenvolvimento do respeito pelo outro e por si mesmo. Boa leitura!
NOTA DE REPÚDIO
Diante das recentes investidas da Câmara Municipal de Teresina contra as discussões de gênero nas escolas municipais, o grupo de pesquisa SEXGEN – Sexualidade, Corpo e Gênero - vem a público externar profundo repúdio ao obscurantismo e atraso representados pela maioria dos vereadores do município de Teresina, ao tentar impedir que crianças em idade escolar possam ter acesso a discussões sobre fatos tão relevantes para a sua formação como cidadãos e cidadãs, e também para o melhor entendimento e solução das questões relativas às diversas formas de violência de gênero na nossa sociedade.
Em junho de 2015, após uma conturbada audiência pública, os vereadores de Teresina – com duas honrosas exceções – votaram contra a inclusão, no plano municipal de educação, das discussões de gênero (que, sintomaticamente, foram nomeadas de “ideologia” de gênero). Um mês antes, em Castelo do Piauí, a apenas 190 quilômetros da capital, quatro adolescentes foram estupradas, amordaçadas, amarradas e jogadas de cima de um morro. Uma delas faleceu dias depois. Mas nossos nobres edis não viram qualquer conexão entre as discussões de gênero e a violência contra a mulher, tristemente ilustrada pelo que ficou conhecido como “Caso de Castelo”.
Se, em junho de 2015, a decisão da Câmara foi compatível com a Idade Média, com argumentações que não caberiam em um estado constitucionalmente laico, pudemos ao menos comemorar o fato de que houve ampliação do debate, em audiência pública que repercutiu nos meios de comunicação e na sociedade de forma geral.
A oportunidade do debate já não foi dada dessa vez. No último dia 22 de março, o Projeto de Lei n° 20/2016 - proposto pelos vereadores Cida Santiago (PHS), Ananias Carvalho (SD), Antônio Aguiar (PROS), Celene Fernandes (SD), Joninha (PSDB), Levino dos Santos (PRB), Ricardo Bandeira (PSDC), Teresa Britto (PV) e Tiago Vasconcelos (PSB) – foi aprovado pela quase totalidade dos presentes, sem qualquer discussão com a sociedade. Tal Projeto visa “vetar a distribuição, exposição e divulgação de material didático contendo manifestação de Ideologia de Gênero (sic) nos estabelecimentos de ensino da Rede Pública Municipal de Teresina”.
O Index LibrorumProhibitorum da Câmara Municipal pretende retirar de circulação livros enviados pelo MEC que “incluam em seu conteúdo informações sobre a prática da orientação ou opção (sic) sexual, da igualdade e desigualdade de gênero, de direitos sexuais e reprodutivos, da sexualidade polimórfica, da desconstrução (sic) da família e do casamento, ou qualquer manifestação da ideologia (sic) de gênero”.
Nós que fazemos o SEXGEN, ao entender que temos uma função não apenas acadêmica, mas também de militância pela igualdade de gênero, apontamos o desserviço de se tentar impedir tais discussões na capital do estado que ocupa a quinta posição do país no ranking de feminicídios registrados, segundo o Atlas da Violência no Brasil, divulgado na última semana pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Aplicados (IPEA). O mesmo levantamento mostra que o número de assassinatos de mulheres aumentou 142% no Piauí, nos últimos dez anos.
Não menos significativos são os dados relativos às diversas formas de violência contra os indivíduos LGBT, parcela da população que vive à margem, tendo direitos negados em função de suas orientações sexuais e identidades de gênero.
Ao que parece, existe um desconhecimento entre os ocupantes da Câmara em relação ao tema sobre o qual estão legislando. Queremos frisar que o termo gênero refere-se à forma como nos colocamos no mundo como sujeitos, não apenas em relação à sexualidade, mas aos comportamentos, posturas e possibilidades que nos são disponibilizadas, como sujeitos de uma cultura e momento histórico.
Gênero NÃO se refere a uma escolha entre ser homem ou mulher, macho ou fêmea, homossexual ou heterossexual ou bissexual ou assexual; refere-se, sim, às formas como nos construímos ao longo da vida entre as diversas possiblidades que nos são apresentadas, não só em termos de orientação sexual. Discutir gênero na escola NÃO significa ensinar as crianças que elas podem escolher o gênero que terão. Não se escolhe gênero, nem sexualidade. Nem na infância, nem na vida adulta. Daí a importância de se discutir desde cedo as diferenças e hierarquias de gênero numa sociedade ainda patriarcal, heteronormativa, misógina e LGBTfóbica.
Levar questões de gênero à escola significa simplesmente debater as diversas formas de existência dos sujeitos, e as relações de poder que são naturalizadas na vida cotidiana. Assim, as raízes das diversas formas de violência contra as mulheres, da homofobia, e da transfobia, dentre outras, poderiam, talvez, começar a ser cortadas, ainda na infância.
Ao tentar excluir a discussão de gênero das escolas municipais, a Câmara Municipal de Teresina está contribuindo para a perpetuação das violências de gênero, ao negar a diversidade e invisibilizar parte da população que não se enquadra nos preceitos heteronormativos. E mais: excluir essa discussão configura-se também como exercício de violência simbólica contra famílias, contra crianças, contra cidadãos e cidadãs.
Diante do exposto, nós que compomos o Grupo de Pesquisa SEXGEN pedimos ao prefeito Firmino Filho que VETE o Projeto de Lei n° 20/2016, a fim de construir uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.
Teresina, 28 de março de 2016
Ana Carolina Magalhães Fortes
Advogada militante; Mestra em Educação (UFPI);
Ana Kelma Cunha Gallas
Jornalista; Mestra em Antropologia (UFPI);
Clarissa Sousa de Carvalho
Jornalista; Mestra em Antropologia (UFPI); Doutoranda em Comunicação (PUC/RJ);.
Daiany Caroline Santos Silva
Cientista Social; Mestra em Antropologia (UFPI);
Pâmela Laurentina
Mestra em Antropologia (UFPI); Professora da Faculdade Internacional do Delta (PHB);
Ana Regina Rêgo
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