O historiador Eric Hobsbawn em seu livro Era dos Extremos disseca o século XX tendo como ponto de partida as divergências ideológicas, políticas, religiosas e as disputas econômicas que culminaram com as duas grandes guerras mundiais, no período que ele denomina de Catástrofe, ao que se seguem, em seu livro, os períodos de Idade do Outro e Desmoronamento. Era dos Extremos porque o século XX, na visão do autor, proporcionou a uma grande parcela da humanidade uma melhoria da qualidade de vida das sociedades, sobretudo as ocidentais, e que foi alavancada pelo desenvolvimento científico e tecnológico; por outro lado, nesse mesmo período aconteceram algumas das piores catástrofes mundiais provocadas por humanos.
Novamente me aproprio aqui de um título de um livro, nesse caso do historiador Eric Hobsbawn, não para me deter em seus escritos ou a ele recorrer, embora seja sempre recomendável; mas apenas para situar o meu tema de hoje. Venho falar sobre os excessos, os extremos, os perigos de um pensamento conservador e radical, que não abre brechas para o diálogo, que vem se apropriando, inclusive, da voz de Deus para conseguir credibilidade frente aos espíritos mais abertos e receptivos.
Felizmente, não assisti a votação do Impeachment da Presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados e o tema já está mais do que passado, já que a pauta agora é a Comissão e votação da pauta no Senado, mas retorno a ela, por acreditar que precisamos pensar mais sobre quem estamos elegendo para nos representar. Pois bem, na verdade os deputados, no dia 17 de abril, votavam pelo prosseguimento do processo para o Senado, mas já em clima de final de copa. Posteriormente, acompanhei inúmeros vídeos compartilhados pelos internautas nas redes sociais, e pude perceber que em termos de discursivos, temos uma Câmara completamente crente e temente a Deus, temos deputados que são exemplos de pais de família; o que não corresponde com a ficha judicial da maioria dos que ali estavam votando o impedimento de uma Presidente contra quem não rezam crimes de corrupção ou outros, pelo menos até o presente momento. O fato é que dos 513 deputados inscritos para a votação, 299 respondem a processos na Justiça ou no Tribunal de Contas da União. Esse total nos revela que cerca de 60% dos parlamentaresaptos para a votação, sendo que muitos evocam Deus e se dizem contra a corrupção; não passam de falsos moralistas e que infelizmente, lá estão porque nós os colocamos.
Mas se não bastasse o cenário deprimente e vergonhoso protagonizado pela maioria dos nossos deputados federais, a coisa ainda é um pouco pior, quando ouvimos da boca de um representante eleito pelo povo uma apologia direta a ditadura militar, ao dedicar o seu voto ao Coronel Ustra, confesso torturador durante o regime militar, torturador da Presidente Dilma, tudo na hora do voto transmitido em cadeia nacional.
De fato o que me preocupa não é a existência depessoas abjetas como o mencionado deputado, que também já fez declarações absurdas sobre o estupro, crime que vitimiza mulheres e crianças em todo o país todos os dias; contudo, o que me preocupa e me deixa estarrecida, é o fato de existir uma grande parcela da população que tem votado nesse pensamento, elegendo, apoiando e oempoderando, e que infelizmente, não consegue enxergar que por trás de suas piadas sem graça, existe um ser que não possui como objetivos o bem comum, a coletividade, a humanidade. Um ser que desconhece o acordo social que nos impõe o respeito ao outro e as divergências ideológicas, políticas, religiosas, assim como, o respeito a opção sexual de cada um. Aliás, no Brasil nem podemos falar mais em eticidade pública porque a ética foi jogada pelo ralo e poucos são os nichos aonde podemos nos refugiar.
Tenho ciência que na babel em que vivemos todas as falas se confundem e dificilmente conseguirei convencer do contrário,alguém que já acredita na ditadura como o caminho para a redenção; muito menos, atingirei os fãs de carteirinha de Jair Bolsonaro, mas nem por isso, me calarei. Para quem não conhece o que realmente pensa o citado parlamentar,sugiro visita uma rápida a três links para assistir um pouco de suas entrevistas. Eu chamo essas três entrevistas selecionadas de a trilogia Bolsonaro ou Bolsonaro por Bolsonaro.
1. Entrevista concedida pelo atual deputado Bolsonaro em 1999 ( nesta entrevista Bolsonaro se diz adepto da tortura, fala que para moralizar o país pode ser que inocentes sejam mortos como um mal necessário e diz que Fernando Henrique deveria morrer).
-versão longa: https://www.youtube.com/watch?v=VIHO_-FeRIo
2. Entrevista concedida pelo atual deputado Bolsonaro a Ellen Page (atriz norte-americana que o confronta sobre seus posicionamentos homofóbicos)
-versão curta: http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/03/12/ouvir-bolsonaro-e-de-uma-agonia-sem-fim-critica-ellen-page.htm
3. Entrevista concedida pelo atual deputado Bolsonaro ao ator inglês Stephen Fry para um documentário sobre o avanço da homofobia no mundo.
-versão média:https://www.youtube.com/watch?v=9TiqyO5JQZs
-versão curta: https://www.youtube.com/watch?v=V1OPSp4ip78
Por fim, gostaria de destacar que as minhas preocupações estão muito acima das falas do deputado aqui mencionado e se concentram na adesão massiva dos brasileiros, sobretudo, de classe média ao pensamento ideológico conservador que ele representa, o que coloca as conquistas dos últimos 30 anos no Brasil, em risco. Dentre elas podemos destacar a liberdade e não somente a liberdade de expressão ou de imprensa, mas o direito de ir e vir, o direito de falar e se colocar. Como também os direitos das mulheres e dos homossexuais.
Por outro lado, devemos sim respeitar as divergências de pensamento e ideológicas, mas não devemos confundir difusão e apologia à tortura e a homofobia com liberdade de expressão. Liberdade de expressão e de pensamentopressupõe respeito ao outro e à vida.
Nesse cenário desolador em que extremistas conservadores surgem em todos os cantos do mundo inclusive nos Estados Unidos com adesão também preocupante, creio que a historiografia pode ajudar. Para o Brasil sugiro uma leitura não tão rápida aos compêndios que analisam a composição do Estado Novo, os frágeis governos democráticos e a instalação da Ditadura Militar. Causas, consequências, alianças.
Não pense, meu caro leitor, que o circo midiático do Congresso Nacional ou mesmo que a visibilidade da Operação Lava-Jato reflete as escusas negociações que se passam no teatro de sombras do poder que apodrece no Brasil, muito há para se conhecer. Portanto, cuidado Brasil, não apenas com o conservadorismo, mas com as consequências dos atuais atos e apoios incondicionais. Em caso de impedimento da Presidente Dilma, o governo seguirá uma linha sucessória cujos personagens já são denunciados e marcados por atos de corrupção.
Ana Regina Rêgo
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