Em meu modo de ver, e, ninguém precisa concordar; a situação política brasileira retrocedeu algumas décadas nos últimos dias. Os avanços inegáveis das políticas sociais e culturais que culminaram com a inserção de grande parte da nossa população, antes excluída do acesso a bens de consumo, excluída dos bancos das escolas e das universidades. Antes excluída do acesso à produção e consumo cultural, dentre outros direitos adquiridos nos últimos anos; ao que parece foram simplesmente negligenciadas pelo governo interino. Não se trata aqui de julgamento prévio nem de má vontade, embora não possamos considerar legítimo o modo de ascensão ao poder que foi deliberadamente planejado no teatro de sombras em um espetáculo que se colocou para a sociedade como um simulacro da prática democrática; trata-se em verdade, de saber ler os caminhos apontados nos primeiros dias pelos novos governantes.
De uma só canetada foram extintas, instituições que representam conquistas históricas das minorias brasileiras e que ainda não trabalhavam como deveriam, mas que estavam em processo de consolidação. Agora realocadas em outras pastas ou, em novos órgãos a serem criados, porém, sem a autoridade ministerial; as áreas prejudicadas dificilmente terão condições de dar continuidade a uma gama de programas e projetos que dão sustentabilidade às políticas públicas que visam a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.
A Medida Provisória 726 de 12 de maio de 2016, assinada imediatamente após a posse do Presidente Interino, Michel Temer, extinguiu dentre outros órgãos: o Ministério da Cultura, o Ministério das Comunicações, a Controladoria Geral da União, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. O sentimento para todos que militam nos movimentos sociais e culturais e que lutam por uma sociedade mais igual, foi de muita tristeza e desolação. Políticas de Estado e não de Governo, foram jogadas na lata do lixo, descartadas.
No que concerne a extinção do Ministério da Cultura a reação foi imediata. Fizemos manifestações em Teresina e todos os dias por todo o país as ocupações continuam acontecendo. Como reação às primeiras manifestações, o Presidente Interino, declarou que criará uma Secretaria da Cultura que deverá ser ocupada por uma mulher, isso, na tentativa de maquiar a imagem completamente fraturada frente a classe artística e a mulheres do país. Mas não é esse o ponto que venho apresentar hoje em meu espaço opinativo, gostaria antes, de falar sobre a importância do Ministério da Cultura para um país com as dimensões continentais do Brasil.
Tenho visto nas redes sociais e em vários meios de comunicação, declarações, inclusive, de artistas que diante da necessidade de cortes e economia iminentes, não veem como necessário que uma classe, a artística, seja privilegiada e tenha um ministério só para ela. Não serei deselegante desqualificando os que assim pensam, mas apenas venho esclarecer que o Ministério da Cultura não tem como objeto final somente o artista. Não se trata de monopólio de uma classe. Trata-se de direitos do povo brasileiro.
O Ministério da Cultura implantou no Brasil em 2003 uma política de valorização holística do campo cultural englobando três principais dimensões: a simbólica, a cidadã e a econômica. A simbólica voltada para valorização das nossas manifestações objetivando potencializar nosso capital cultural, fortalecer nossa identidade, valorizar nossa diversidade; essa dimensão não contempla somente o estético-artístico, mas abarca toda uma transversalidade da cultura, que se comunica e se coaduna com as demais, que apresentamos a seguir: _ a dimensão cidadã que entende a cultura como um direito do cidadão; direito a produzir cultura, através do incentivo à criatividade; direito a consumir cultura através da acessibilidade possibilitada por programas como o Vale Cultura, Cultura Viva e seus Pontos de Cultura. E, por último, a dimensão econômica que enxerga na cultura o ambiente propício para um desenvolvimento econômico sustentável e socialmente justo.
Então caríssimos leitores, não se trata de um ministério de privilégios, se trata de um ministério que tem lutado e guardado os direitos do povo brasileiro, sobretudo, de povos que vivem distantes dos grandes centros urbanos, onde os recursos para a cultura são escassos, em contraposição às megacidades onde o dinheiro circula com facilidade embalado pelos investimentos empresariais, que veem no campo cultural um espaço ideal para agregar valor para suas reputações corporativas. Quem vive à margem dos investimentos empresariais necessita do Estado para continuar criando e vivendo de cultura. Quem vive à margem da sociedade necessita de uma política cultural que lhe possibilite o acesso às manifestações culturais. Vale ressaltar que nem mesmo nas grandes cidades os investimentos chegam a todos.
A política cultural do MinC vinha conciliando, não sem disputas entre a classe artística e o mercado predatório, pelo menos três tipos de política: - A Privatização neo-conservadora que se consolida através das leis de incentivo, em que por meio da renúncia fiscal, o Estado renuncia também ao direito de definir para onde irão os recursos da cultura, deixando que empresas privilegiem seus mercados potenciais, em detrimento de um país inteiro e de sua magnífica diversidade cultural. A Lei Rouanet em seus artigos 18 e 26 ainda comandam a distribuição de recursos para o campo cultural.
Entretanto, a Política Cultural instaurada em 2003 trouxe inovações situadas nos paradigmas da Democratização Cultural e Democracia Participativa, conforme a categorização de Nestor Canclini. Democratização Cultural que procura promover a acessibilidade de todos aos bens e produções culturais; enquanto que a Democracia Participativa, realmente o maior avanço, procura promover o desenvolvimento plural das culturas de todos os grupos, inclusive, com previsão de instrumentalização de auto-gestão, como prevê os Pontos de Cultura.
É certo que nem tudo correu às mil maravilhas, já que se trata de um processo de longo prazo. E, embora eu tenha sido e sempreserei uma crítica do que estava/está errado nas práticas do MinC ou Secretaria e nas instituições que representam a cultura nas instâncias Estadual e Municipal; sempre reconheci que o desenho cultural que tínhamos até 12 de maio, possuía e possui um grande potencial e que estávamos no caminho certo, motivo pelo qual, me senti roubada com a decisão do atual governo.
O que representa uma Secretaria de Cultura? Com efetiva certeza:_ um corte orçamentário sem precedentes. Durante grande parte do Governo Lula o orçamento do MinC esteve por volta de 0,08% do Orçamento Geral da União, em 2013 e 2014 o orçamento do MinC foi cortado para 0,05% do OGU, em 2015 caiu para 0,04%, agora imaginem com a extinção do Ministério e a solução de criação de uma simbólica Secretaria de Cultura. O fato é que enquanto brigávamos pela PEC 150/2003 que propunha uma parcela de 1,5% do OGU para o MinC; PEC que, por sinal,dorme nas gavetas do Congresso Nacional há treze anos; vem um Interino e simplesmente aniquila toda uma luta de décadas.
As decisões dos primeiros dias indicam que a era Temer será de implantação de uma política neoliberal sem precedentes nesse país. Os cortes orçamentários estão sendo anunciados e especulados em todas as pastas, ainda não sabemos como ficarão os cortes na Educação, já na Saúde a coisa parece assustadora. Fica então a dica para pensar: qual será a minha cota de participação no sacrifício que o Governo está impondo ao país? Mas sobretudo, fica a dica para tentar entender, quem são os beneficiários das decisões tomadas ultimamente. O povo com certeza não está entre os beneficiados.
Ana Regina Rêgo
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