O debate sobre opções estéticas engloba campos e esferas da vida em sociedade e não se concentra somente no campo cultural, que se coloca como a face mais visível e espaço da criatividade por excelência. No mercado de produtos tangíveis, que vai do automóvel à roupa do dia-a-dia,a estética do marketing vem para diferenciar produtos que por possuírem as mesmas funções e aplicabilidades passam a se diferenciar somente pelo modo como são desenhados e apresentados ao público.
No ambiente pessoal as escolhas se fazem pelo processo de formação do gosto que cada grupo social tem a oportunidade de experimentar durante avida. Normalmente, esse processo é intermediado pelos meios de comunicação e pelas inúmeras manifestações que através deles se reverberam, potencializadas pela publicidade que desperta nos consumidores a vontade de se parecer com quem se admira e se diferenciar do padrão de quem deseja se afastar. Nesse caminho os nichos mercadológicos atrelados ao campo da moda estão disseminando práticas da Alta costura para coleções de lojas populares, levando a “oportunidade” de experimentação de uma estética “diferenciada” para as pessoas de faixas econômicas mais moderadas.
Essa “oportunidade” de experimentação de uma estética “diferenciada” é no entanto, tão somente discursiva, pois os produtos continuam sendo produzidos em larga escala continuando com o processo de massificação das identidades individuais. Falo de moda e me reviro ao vestuário, mas o mesmo pode ser adotado para moda de cortes e pintura de cabelo. Recentemente fui abordada por duas amigas que me sugeriram um up grade: _ eu deveria deixar o cabelo crescer e fazer mechas louras. Bem, essa nunca foi e nunca será a minha opção estética, não porque não ache bonita em algumas pessoas, mas porque prefiro manter minha identidade. Na semana seguinte fui a um jantar e lá havia cerca de 50 mulheres. Dentre todas, eu era a única de cabelo curto, preto e sem mechas. Usavam a mesma maquilagem pesada e modelos de roupas similares. Respeito, obviamente, todas as opções e volta meia sou abordada por não aderir ao gosto dominante, mas me pergunto aonde foi parar a identidade de cada uma.
Falo do gosto individual, mas esse não se dissocia do coletivo, somos abordados continuamente por opções estéticas distintas que chegam até nós pelas coleções da moda, pela música impulsionada pela indústria, pelos produtos culturais que se vendem em rede: filmes, livros, acessórios. Somos abordados e devemos aderir ao padrão consumido em nosso meio,sobpena de sermos discriminado. Como assim, você não sabe o que está na moda no momento? Não, não sei, mas sei que o tiver na moda eu irei pelo lado contrário. Como assim, você não conhece a música mais tocada na rádio e da bandade axé ou forró eletrônico mais tocada no momento? Não, não sei, e assumo meu preconceito com toda e qualquer música que vulgariza a mulher e não leva a pensar.
No que concerne ao campo cultural, o gosto se apresenta de forma plural. Como bem nos alerta Hobsbawm a apreciação da arte não é uma experiência puramente privada, mas social, podendo ser inclusive política, principalmente, em apresentações públicas em palcos construídos permanentemente ou temporariamente com este objetivo. Como não posso tratar de tudo, falarei de duas manifestações.
Primeiramente (foratemer) me focarei no campo da literatura, meio em que os críticos se investem do poder de opinar, por se colocarem como experts na temática, contudo, de forma cada vez mais contumaz, o modelo estético escolhido e apreciado por cada um é o que guia as poucas críticas ainda localizadas na imprensa brasileira. Os críticos que escrevem para os próprios pares são revestidos de um poder de verdade sobre a obra analisada dando sua sentença de vida e sucesso ou de morte. Isso tem facilitado a vida de escritores que se moldam a determinados padrões estéticos e inviabilizado a vida de tantos outros que optam por sair da caixa e pensar fora do versos enumerados.
Mas a polêmica sobre a qual eu gostaria de me debruçar coloca em lado opostos, infelizmente, duas opções estéticas que apresentam valor como manifestações coletivas de temporalidades distintas. De um lado, a necessidade de preservação do patrimônio histórico material e imaterial. E aqui me refiro ao material mesmo. A memória urbana de nossas cidades que vem sendo derrubadas pelo mercado, quando não,agredida com pichações em diversos pontos da cidade.
Cada espaço público, cada edifício público ou privado componentes da nossa visualidade na cidade são integrantes importantes da memória coletiva e histórica de nosso povo, muitos constituem lugares de memória. Preservar e valorizar é, portanto, necessário, sob pena de nos tornarmos um povo sem memória e com história recortada por lacunas enormes.
Quanto a estética do piXo,que prega uma arte feita para incomodar e nasce em cima de uma contraposição a uma estética da limpeza, que por sua vez, se consolida em cidades brancas, sem cor, sem arte e com árvores cujos caules muitas vezes são pintados de branco ( árvores de meia); se coloca em nossa temporalidade como narrativas que abordam as inquietações dos artistas que optam por essa estética. São gritos de quem não deseja passar despercebido em seu tempo. Muitos fazem uma alusão inclusive às pinturas rupestres. Eu prefiro ficar bem longe dessa comparação, por absoluta falta de domínio das duas historicidades envolvidas.
Entretanto, entre a manifestação cultural do piXo e a preservação do patrimônio creio ser necessário um meio termo. Os pichadores afirmam que não há como fazer arte a partir de autorizações e delimitações de espaços, porque perderia o sentido da própria opção que se estabelece no incômodo social que podem causar. Já quem preza pela preservação do patrimônio, como eu, vê a necessidade de negociação de limites.
Não quero uma cidade completamente branca, nem uma cidade completamente cheia de pichações. Acredito que haja espaço para que todas as opções se coloquem e possam conviver com respeito. Fica a dica!
Ana Regina Rêgo
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