Não tenho mais dúvida, ao aprovar o relatório de impedimento da Presidenta Dilma em 09 de agosto de 2016, o Senado confirmou o golpe civil no Brasil. No mesmo mês que Getúlio Vargas se matou, a primeira presidenta mulher eleita do Brasil, será impedida, definitivamente, sem ter cometido crime algum, conforme apontaram tanto a perícia jurídica do Senado e quanto o Ministério Público Federal.
A partir destes fatos, o sistema democrático brasileiro fica seriamente ameaçado. São vários os motivos que levam a essa análise: a perseguição aberta aos movimentos sociais que terá como justifica a Lei 13.260/2016, conhecida como antiterrorismo; as medidas antissociais que visam a diminuir a influência do Estado de bem-estar social aumentando os vetores que apontam para o Estado liberal, por sua vez baseado nos valores do mercado: regra mestra para a organização do Estado liberal.
A lógica do Estado Liberal inexoravelmente trará flexibilização das leis trabalhistas, terceirização de atividade fim, reforma da previdência com abertura ao capital privado, o fim do 1/3 de férias e 13° salário, bem como o congelamento dos salários. Trará de imediato considerável diminuição de concursos públicos, conforme medidas propostas no PLC 257/16; e a privatização da saúde, tornando o SUS um instrumento do capital.
Ainda nesse estado de coisas haverá o implacável esvaziamento ou até extinção de Órgãos estratégicos para o fomento da inclusão social, como os ligados à cultura, reforma agrária e educação. Todo esse cenário de retrocesso e repressão dos direitos políticos, civis e sociais surgirão por força de um aglomerado de setores e interesses que historicamente toleraram a democracia apenas quando lhes conveio: é chamada democracia por cima, que atende ao preceito: desde que os poderes dos privilegiados do poder não seja ameaçado, é válida a democracia. Quando não forem atendidos usam-se os velhos métodos autoritários da cultura do “sabe com quem está falando?”
Esse golpe parlamentar foi viabilizado por três razões principais: 1. Por não termos uma legislação adequada para impedir que considerável parte da mídia use seu poder de persuasão construindo notícias falaciosas, trabalhando a soldo de grupos organizados. 2. Porque nosso judiciário conta com um supremo acovardado, quando não alinhado com forças políticas de interesse. 3. Porque nosso parlamento ficou assustado com as delações premiadas e e fez vistas grossas aos mais elementares códigos de conduta e comportamento. Esse quadro se completa quando a mídia, o judiciário e o parlamento se unem e se nutrem do setor financeiro para defenestrar uma presidenta legalmente eleita. O golpe foi de natureza política, em defesa do mercado e sustentada por valores morais historicamente antissociais.
O mais grave, contudo, são as evidências que, tal como em 1964, no golpe civil-militar que empodeirou os militares que o instrumentalizaram, novamente vão surgindo evidências de ingerências norte-americanas no nosso solo tupiniquim. Tal como daquela vez, no início esse assunto é tratado como mera teoria da conspiração, mas com o passar dos anos, quando os documentos ultrassecretos são publicados, a realidade se mostra ainda mais aterradora que as mais espetaculares versões.
Qualquer possível dúvida quanto ao caráter golpista do processo que vivenciamos se esvaiu quando tanto o Ministério Público Federal, quanto a perícia do Senado Federal e o próprio Tribunal de Contas da União atestaram que as pedaladas fiscais e os créditos suplementares do plano safra não feriram a lei da responsabilidade fiscal. Isso confirma que o que presenciamos é a luta de classe, a subjugação via hipnose midiática do povo menos preparado politicamente, de pessoas com senso crítico obscurecido pela cultura do: é Verdade, deu no Jornal Nacional; é verdade, saiu na Veja etc.
Se, por um lado o presente golpe se aproxima do que vivemos em 1964, por outro lado tudo aponta para a necessária percepção de que os orquestradores golpistas pretendem manter a sensação de Estado Democrático de Direito, evitando abusos explícitos como ocorria durante no golpe civil-militar de 1964. Tudo está sendo feito de modo a fazer parecer que o processo de impedimento da presidenta Dilma é lícito, porque seguiu os parâmetros institucionais.
Na verdade, o momento é grave e urgente. É imprescindível que defendamos a democracia inclusiva, aquela que vê pessoas e não números. Vamos defender, sim, uma democracia em que o filho do pedreiro possa não apenas sonhar, mas ter a possibilidade de realizar os seus desejos de ascensão igual ao do filho do engenheiro. É esse oásis de democracia, a custo soerguida, que estamos perdendo. Lutemos, é tempo!
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Stânio de Sousa Vieira – Sociólogo, nas redes sociais.
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