No último domingo fui ao cinema assistir ao filme “Substância”, com Demi Moore no papel da protagonista Elisabeth Sparkle. Substância é uma receita química milagrosa, adquirida em inexplicável sistema, que promete transformar o corpo radicalmente e devolver a beleza perdida, segundo padrões de juventude.
É uma ficção algo hilária e absurda, que aceitamos somente por conta da autonomia do estético e do contrato que assinamos ao encarar qualquer narrativa ficcional. De imediato, lembrei de “O retrato de Dorian Grey”, do substancioso Oscar Wilde. Claro, sem a mesma proficiência e engenhosidade do irlandês ao tratar do velho mito de fausto.
O filme é radical em sua alerta à insana busca da eterna juventude, da não aceitação do envelhecimento biológico, uma angústia humana que não é novidade. Podemos ampliar a ideia, em chave mais racional, e pensar que a procura da perfeição é um dado inerente em quaisquer de nossos campos de existência, seja corporal, moral, espiritual, social, político... O fracasso deste propósito também se revela infinitas vezes. Embora a derrocada seja um componente da vida, não há milagre, seguir tentando melhorar haverá de ser um lume. Chegamos até aqui, os avanços científicos e tecnológicos têm nos beneficiado, não sou do time dos apocalípticos, os projetos de ajustes e os de transformações têm que seguir suas necessárias rotas. O desafio humano ainda é vencer as iniquidades, as assimetrias sociais, culturais, étnicas.
Tecnicamente, o filme segue clichês deste segmento, o horror em hipercloses, o humor macabro, os sustos provocados, o sangue derramado, muito derramado, em violência excessiva, elevada à gratuidade (a diretora deve adorar Tarantino), a tensão volumosa da trilha sonora etc. Porém, com alguns furos, erros de continuidade, sequências inverossímeis, mesmo em ambiente de absurdos narrativos, cenas desnecessariamente alongadas. O filme já ganhou prêmio de roteiro em Cannes 2024 (sic), deverá levar premiações em maquiagens e efeitos especiais. Dá pra assistir, só porque adoro cinema.
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Feliciano Bezerra é professor doutor da UESPI - nas redes sociais.
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