Nascer é contingência e não escolha. Assim, nasci em Campo Formoso, sertão do Caracol (PI), em setembro de 1948. O lugar era um convite a não ficar: não havia água potável, escola, livros, música, nada... Até os dois anos de idade, por absoluta falta de repertório, neguei-me peremptoriamente a falar. Um dia, uma tia industriosa resolveu me dar água num chocalho. Desandei a falar asneiras com tal desenvoltura que meu pai não se conteve: “Este menino vai fazer carreira na política”. Mais sensata, dona  Purcina afirmou: ”Quando muito, será um bom camelô”. Acertou em cheio: ao longo da vida, tenho sido apenas um camelô da boa literatura produzida pelos outros.
        
Desasnada por dona Purcina, aprendi a ler para viajar nos folhetos de cordel. Aluno medíocre, só me interessava pelas disciplinas “fáceis”: literatura, história, geografia. À época, eram denominadas “disciplinas das  mulheres”.  Ainda assim, aos trancos e barrancos, concluí o curso de bacharel em direito no qual aprendi o essencial: na vida, só duas leis têm aplicação prática: a do mais forte e a do menor esforço. O mais é ficção jurídica.
          
Cronista provinciano, publiquei um punhado de livros, quatro deles dedicados à molecada: O menino que descobriu as palavras: Trem da Vida; ABC da ecologia e A metade extraviada.   Como não tenho a veleidade de me tornar “imortal”, estou confortável na condição simples  morrente.
          
Sem maiores queixas, cheguei até aqui. Não exijo muito da vida: pesco as minhas alegrias com anzol de linha curta em lagoa rasa. Quando a “indesejada” me sequestrar, talvez algum cronista do meu tope escreva: calou-se o velho falastrão que amava as chuvas, as mulheres, a poesia , o café e os ipês. Assim seja.

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.