"O dia 11 de janeiro, ano após ano, é uma data triste em minha vida. Foi nesta data que fui acordado bem cedinho em uma segunda-feira de 1988 dando conta de que precisávamos ir para a cidade de Oeiras (no Sertão do Piauí). Algo dizia que tinha ocorrido alguma coisa com meu pai, acidentado seis dias antes.
Realmente: aquela manhã de 11 de janeiro não seria um dia comum! Estava nublado, era como se as nuvens estivessem triste, orvalhava.
Eu tinha nove anos de idade, mas já sabia o que era a morte.
Meu herói se fora. Vi meu pai por poucos segundos naquele caixão, o enterro no final da tarde, o pior barulho da minha vida, cada uma das pás de terra. Nunca esqueço dos últimos minutos de luminosidade daquele dia.
Ano após ano escrevo textos nesse dia 11, não para só lembrar o quanto meu pai foi bom e emblemático, sobre seus ensinamentos e sobre o quanto minha mãe foi (e continua sendo) heroína para criar três crianças.
Mas também escrevo nesta data para ser sapiente que passadas três décadas, muita gente ainda morre em nosso Piauí (e, infelizmente em todo o Brasil) por conta da maldita ambulancioterapia, por causa do caos em nossa saúde, por conta da falta de médicos no interior do estado, por conta da pouca valorização com a vida do próximo.
Meu pai se acidentou há quase 500 quilômetros de Teresina, em uma rodovia federal movimentada. Estava trabalhando. Em vez de socorrerem ele, fizeram foi rouba-lo. Quando recebeu socorro ficou jogado em um hospital. Quando minha mãe soube do acidente (morávamos quase 200 quilômetros do local do sinistro) e foi prestar socorro só liberaram a ambulância para a cidade de Picos. Isso mesmo! E na época, em Picos não tinha ambulância para transportar passageiros. Meu pai precisava de tratamento médico em um centro maior, no caso, Teresina, ainda hoje procurada em casos assim por gente de quase todo o Norte e Nordeste. Uma imoralidade!
Ele teve de ser transportado em um carro normal. Imaginem, uma ambulância adaptada. Isso diariamente ainda ocorrem. Muitos morrem porque sequer há ambulância. E as ambulâncias são os principais mecanismos de publicidade de governos e mais governos, que em vez de interiorizar o bom atendimento de emergência, prefere continuar empurrando o problema para a capital e se o doente tiver sorte, chega vivo, muitas vezes após quase metade de um dia cruzando o Piauí.
Muita gente que continua morrendo por falta de médico, por desestrutura na área de saúde, por profissionais que se preocupam mais com grana.
Reconheça-se que em Teresina meu pai foi super bem tratado, mas somente quase 24 horas depois do acidente é que pôde receber tratamento digno. Já era praticamente tarde.
Meu pai morreu com a mesma idade que tenho hoje. Por isso é duro tentar entender como alguém só viveu 39 anos. Meus 39 valeram por uns mil, mas ele morreu cedo, ao menos para os filhos que deixou.
Pai Elmiro: o senhor continua deixando saudades, não o esqueço, mas, mais que isso, louvo a vida, a mesma vida que o senhor lutou muito e, mesmo em outro plano, continua (tenho certeza) emanando energias positivas para a gente.
Nos dias 11 de janeiro choro, mas, com certeza, nas outras datas estou alegre, por poder, mais e mais, ser um filho, um cidadão, um colega, um amigo, um interlocutor que procura errar menos".
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Orlando Berti é jornalista e professor da Uespi - nas redes sociais.
Realmente: aquela manhã de 11 de janeiro não seria um dia comum! Estava nublado, era como se as nuvens estivessem triste, orvalhava.
Eu tinha nove anos de idade, mas já sabia o que era a morte.
Meu herói se fora. Vi meu pai por poucos segundos naquele caixão, o enterro no final da tarde, o pior barulho da minha vida, cada uma das pás de terra. Nunca esqueço dos últimos minutos de luminosidade daquele dia.
Ano após ano escrevo textos nesse dia 11, não para só lembrar o quanto meu pai foi bom e emblemático, sobre seus ensinamentos e sobre o quanto minha mãe foi (e continua sendo) heroína para criar três crianças.
Mas também escrevo nesta data para ser sapiente que passadas três décadas, muita gente ainda morre em nosso Piauí (e, infelizmente em todo o Brasil) por conta da maldita ambulancioterapia, por causa do caos em nossa saúde, por conta da falta de médicos no interior do estado, por conta da pouca valorização com a vida do próximo.
Meu pai se acidentou há quase 500 quilômetros de Teresina, em uma rodovia federal movimentada. Estava trabalhando. Em vez de socorrerem ele, fizeram foi rouba-lo. Quando recebeu socorro ficou jogado em um hospital. Quando minha mãe soube do acidente (morávamos quase 200 quilômetros do local do sinistro) e foi prestar socorro só liberaram a ambulância para a cidade de Picos. Isso mesmo! E na época, em Picos não tinha ambulância para transportar passageiros. Meu pai precisava de tratamento médico em um centro maior, no caso, Teresina, ainda hoje procurada em casos assim por gente de quase todo o Norte e Nordeste. Uma imoralidade!
Ele teve de ser transportado em um carro normal. Imaginem, uma ambulância adaptada. Isso diariamente ainda ocorrem. Muitos morrem porque sequer há ambulância. E as ambulâncias são os principais mecanismos de publicidade de governos e mais governos, que em vez de interiorizar o bom atendimento de emergência, prefere continuar empurrando o problema para a capital e se o doente tiver sorte, chega vivo, muitas vezes após quase metade de um dia cruzando o Piauí.
Muita gente que continua morrendo por falta de médico, por desestrutura na área de saúde, por profissionais que se preocupam mais com grana.
Reconheça-se que em Teresina meu pai foi super bem tratado, mas somente quase 24 horas depois do acidente é que pôde receber tratamento digno. Já era praticamente tarde.
Meu pai morreu com a mesma idade que tenho hoje. Por isso é duro tentar entender como alguém só viveu 39 anos. Meus 39 valeram por uns mil, mas ele morreu cedo, ao menos para os filhos que deixou.
Pai Elmiro: o senhor continua deixando saudades, não o esqueço, mas, mais que isso, louvo a vida, a mesma vida que o senhor lutou muito e, mesmo em outro plano, continua (tenho certeza) emanando energias positivas para a gente.
Nos dias 11 de janeiro choro, mas, com certeza, nas outras datas estou alegre, por poder, mais e mais, ser um filho, um cidadão, um colega, um amigo, um interlocutor que procura errar menos".
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Orlando Berti é jornalista e professor da Uespi - nas redes sociais.
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