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Quarta-feira, 04 de dezembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

13/01/2023 - 07h11

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

13/01/2023 - 07h11

Atomização, dissonância cognitiva, massa de manobra e terrorismo no Brasil de 2023- a responsabilidade das plataformas

 

 

Os atos terroristas que aconteceram em Brasília no domingo, 08 de janeiro, refletem os resultados de um bombardeamento de narrativas reacionárias e de um conservadorismo extremo que por meio de peças de desinformação tem chegado a uma grande parcela da população brasileira, hoje completamente alheia à realidade, tendo em vista que se encontra fechada em bolhas ou esferas virtuais e vivenciam a experiência da caverna de Platão, ausentes de um tempo presente e portanto, em conflito violento com o real. Não confiam nas instituições pilares da democracia e, principalmente, não consomem notícias. A dieta de informação desses grupos se dá por redes sociais e por aplicativos de mensageria, por onde corre um grande rio de desinformação iniciado em nosso país desde 2011. Na realidade paralela, saem os jornalistas e entram os influenciadores digitais e suas falas de si.

Diante da complexidade dos dias atuais, inicio meu texto de hoje com as palavras de Gustave Le Bon  acerca das multidões e publicadas no final do século XIX, portanto, há mais de cem anos e que nos servem de base para começar a pensar o Brasil deste começo de ano. Para Le Bon, as multidões se caracterizam por: 1. Impulsividade, mobilidade e irritabilidade. — A multidão é o joguete de todas as excitações exteriores e reflete-lhes as incessantes variações. — Os impulsos que elas sofrem são de tal modo imperiosos que apagam o interesse pessoal.  — 2. Sugestibilidade e credulidade das multidões. — A sua obediência às sugestões. — As imagens evocadas no seu espírito são tomadas por realidade. — Como estas imagens são semelhantes para todos os indivíduos que compõem uma multidão. — Integrados numa multidão o sábio e o imbecil ficam iguais. — Vários exemplos das ilusões a que todos os indivíduos de uma multidão estão sujeitos. — Impossibilidade de acreditar no testemunho das multidões. — A unanimidade de muitos testemunhos é a pior prova que se pode alegar para estabelecer a veracidade de um fato. — Fraco valor dos livros de história. — 3. Exagero e simplismo dos sentimentos das multidões. — As multidões desconhecem a dúvida e a incerteza e são constantemente levadas a extremos. — Os seus sentimentos são sempre excessivos. — 4. Intolerância, autoritarismo e conservantismo das multidões. — Causas destes sentimentos. — Servilismo das multidões diante de uma autoridade forte. — Os momentâneos instintos revolucionários das multidões não as impedem de serem extremamente conservadoras. — As multidões são instintivamente hostis à mudança e ao progresso. — 5. Moralidade das multidões. — A moralidade das multidões pode, conforme forem sugestionadas, ser muito mais baixa ou muito mais elevada que a dos indivíduos que a constituem.— As multidões raramente são guiadas pelo interesse, que é exclusivo do indivíduo quando isolado. 

No fatídico 08 de janeiro, vimos mais que uma multidão enfurecida, vimos uma multidão que não respeita a Nação e suas leis, que não respeita o código de ética coletivo, que não aceita o resultado das eleições e que impulsionada por narrativas de fraude tornou-se um corpo uníssono e violento. Facilmente manobrável, a massa manipulada pela desinformação cedeu aos comandos e táticas dos que articularam e pagaram pelos eventos antidemocráticos. 

Dias antes, os hoje, antipatriotas, já participavam inconscientes de experimentos de testes através das diversas mensagens que os levaram a convocar extraterrestres ou acreditar nos memes sobre o General R..., dentre outras tantas narrativas que testavam sua capacidade de discernimento entre realidade e ficção, assim como, a tendência a uma credulidade absoluta nas narrativas que recebem em grupos de Igrejas ou de famílias e que partem do que já há um bom tempo nomeamos de mercado da construção intencional da ignorância. 

A potência de exploração de um processo psicológico das massas foi exacerbada em diversas partes do mundo no século XXI e tem como lugar propício para sua execução as plataformas digitais, onde um modo de existir virtual se estabelece diuturnamente. 

Nesse ponto, há que se ponderar que a exploração psicológica dos usuários é um método intensamente utilizado para nos manter permanentemente online e para tanto, as big Techs se utilizam de todas as formas de atração para atenção. A vigilância intermitente e a capacidade de prever nossos passos no futuro imediato, colocam as plataformas no controle da vida de grande parte de seus usuários, ou no limite, de todas e todos nós. 

Nesse espaço virtual onde tudo é comercializado, principalmente, os usuários, a extrema direita se apropriou das estratégias de marketing que estruturam as estratégias de recomendação, visibilidade e monetização das plataformas para colocar seu principal produto: a mentira, que tanto manipula mentes e as coloca contra si mesmas e a favor de seus opressores. É por aí que a atomização verificada no início da sociedade de massa retorna acompanhada de uma forte dissonância cognitiva coletiva, transformando idosos, donas de casa e trabalhadores em massa de manobra de uma elite conservadora, antidemocrática e inconformada. Todo esse percurso levou por fim, a massa manipulada a agir como máquina de guerra, se colocando à frente de todos os que planejaram os atos e que estão nas sombras e na segurança de suas empresas e casas.

Diante do contexto de insegurança em nosso Brasil é que se faz mais do que necessário trabalhar pela regulação do espaço “caótico” em que se transformou a internet, sobretudo, as redes sociais e os aplicativos de mensagem. Destacando que o “caos” somente foi articulado e se instalou com a conivência e permissividade das grandes plataformas, como a Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), a Alphabet (Google e YouTube), o TiKTok, o Kwai, o  Telegram, dentre outras,  que não conseguem cumprir e/ou atender as próprias diretrizes, muito menos atender aos convênios realizados com as instituições do judiciário ou as leis do Estado brasileiro.  Após os eventos as plataformas finalmente começam a agir, mas já é tarde, os reacionários estão migrando para plataformas menores e/ou que se situam na Deep web.

Há indícios de que existe um forte componente financeiro envolvido que as leva a não querer atender as próprias diretrizes ou as leis, considerando que coibir a desinformação e cancelar as mensagens que articulam as movimentações e eventos golpistas representa perda de presença nas redes e, portanto, perda real de receita.  Por outro lado, não conseguem intervir de modo efetivo porque não investem em moderação de conteúdo a partir de funcionários. A moderação por AI ainda é precária ou programada para não atender as diretrizes. 

É bem fácil para as plataformas derrubar canais e perfis depois que grupos de monitoramento da sociedade civil identificam e repassam a seus gestores os links, mas executar uma política real, firme e coibitiva da desinformação não parece está no horizonte das diretrizes das plataformas. É nesse sentido que se faz necessário uma regulação pautada no debate público e com a participação de especialistas. O Projeto de Lei 2630/20 mesmo com alguns problemas pode ser o caminho mais viável no momento. 

Visite a Rede Nacional de Combate à desinformação ( https://rncd.org/) e conheça um pouco do Brasil que trabalha para tornar o ambiente digital saudável. 


 

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