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Segunda-feira, 18 de novembro de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

15/06/2017 - 18h07

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

15/06/2017 - 18h07

Manipulações midiáticas em perspectiva histórica

Manipulações midiáticas, este foi o tema do XI Encontro Nacional de Pesquisadores em História da Mídia promovido pela ALCAR-Associação Brasileira de Pesquisadores em História da Mídia, que atualmente presido, e que foi realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo semana passada. 

 

A intenção da ALCAR ao trazer para o debate em conferências, em várias mesas redondas e em Grupos Temáticos, um assunto tão atual e ao mesmo tempo tão antigo e polêmico, foi proporcionar o encontro entre as narrativas do passado e do presente, não com o objetivo de trazer lições do passado, mas com o intuito de fomentar o debate, levantar questões a partir de olhares sobre as experiências de um presente já passado, ventilando fazer pensar e quem sabe mudar os horizontes de expectativas que se anunciam para o nosso país.]

 

O Brasil e o mundo enfrentam nos dias atuais, crises de diversas naturezas. A democracia representativa brasileira encontra-se mais uma vez ameaçada e a comunicação e os complexos midiáticos que lhes dão suporte tem considerável responsabilidade nesse contexto, assim como, o tiveram no passado em muitos momentos.

 

Vale ressaltar que desde o final do século XIX que os meios de comunicação trabalham com processos que objetivam conquistar públicos, vender produtos, elevar ideologias e manter ou derrubar governos, muitas vezes, às custas de técnicas e instrumentos que procuram manipular as sociedades em prol de seus interesses e de quem os mantém. Nesse caminho, propaganda, publicidade, marketing, jornalismo, relações públicas, fotografia e cinema, articulam-se e/ou hibridizam-se, para vender produtos, ideias e imagens. As grandes guerras dos séculos XIX, XX e XXI são ricas em exemplos, assim como, os governos totalitários e ditatoriais, contudo, também nas democracias podemos localizar práticas similares, tanto no mercado quanto no Estado.

 

Obviamente o processo manipulatório midiático tem seu limite e esse limite é dado tanto pela espessura do real, quanto pelo grau de disseminação do conhecimento crítico. Para além do entendimento de que é o contrato de leitura, ou, o contrato de comunicação que estrutura o relacionamento entre meio de comunicação e leitor, expectador, ouvinte, etc., existe a intencionalidade de formação de público por parte de cada veículo de comunicação, visando não apenas audiência, mas principalmente, sustentabilidade financeira obtida após o alcance de um patamar de credibilidade, portanto, de uma reputação reconhecida.

 

Nesse jogo, práticas e processos que compõem o campo da comunicação, sobretudo, o jornalístico,são chamados para legitimar os discursos que nele circulam. E obviamente, são necessários jornalistas sérios e narrativas verdadeiras para compor o mesmo espaço em que narrativas manipuladas são veiculadas. As primeiras, as narrativas verdadeiras, realizadas por profissionais sérios servem para legitimar as segundas. Então se isso é verdade, teoricamente, aquilo também será.

 

Esse jogo em que as tramas e osprocessos de construção da notícia, dentro do campo jornalístico acontecem; é tão complexo e envolve inúmeras práticas que visam teoricamente tornar o discurso isento e o mais próximo da verdade; que nem mesmo os jornalistas conseguem perceber o jogo em que se encontram.

 

Durante o congresso em São Paulo realizado de 8 a 10 de junho,tivemos vários momentos em que ricos exemplos foram trazidos para audiências ávidas por conhecimento. Peter Burke, historiador inglês, que realizou a conferência de abertura, ao desconstruir a pós-verdade e confrontá-la com algo bem mais comum e antigo: a mentira, retomou o tema de seu livro A fabricação do rei, que trata sobre o aparato comunicativo utilizado por Luís XIV, o Rei Sol,para construção de sua imagem de homem corajoso, belo, inteligente, etc.

 

O tema abordado por Peter Burke nos leva a um diferente lado da comunicação, em que propaganda e publicidade terminam se encontrando para construir imagens vendáveis de produtos, inclusive, produtos políticos, que terminamos comprando, mas não levamos, porque se trata somente de construções discursivas, que não contém essência, portanto, comportam o nada, isso no que concerne aos anseios e as necessidades que a sociedade possui em relação ao campo político e aos representantes que lá colocamos a cada pleito eleitoral.

 

Em outro momento do evento, Marialva Barbosa, historiadora e jornalista brasileira, atualmente Presidenta da INTERCOM-Sociedade Brasileira deEstudos Interdisciplinares da Comunicação, abordou práticas jornalísticas do passado, especificamente da crise do último governo de Getúlio Vargas, sobretudo, os difíceis dias de agosto de 1954 que culminou com o suicídio do Presidente;  e confrontou com as práticas do presente, mostrando que se retirarmos os nomes dos personagens do passado e a data do jornal e colocarmos os personagens do presentes, teremos grande similaridade com o que hoje se pratica no jornalismo brasileiro.

 

O recente caso Miriam Leitão é emblemático para análise da temática abordada durante o nosso evento. A verdade é posta a partir doslugares de fala e dos pontos de vista de cada um dos que estavam naquele voo. Todavia, a personagem principal, que se diz e se sentiu vítima de agressão ( versão contestada por vários passageiros e parcialmente até pela própria companhia); pois bem, a personagem principal, possui alcance discursivo e visibilidade bem maior do que qualquer um dos pobres mortais que ali se encontravam. Obviamente, nada justifica nenhum tipo de violência, porém, a violência também não deve ser fabricada e reverberada midiaticamente até a exaustão, como forma de sensibilização e adestramento das mentes, fomentando o ódio de uns contra outros.

 

Por fim, retorno a Hannah Arendt,para quem a flexibilidade de fabricação dos discursos de verdade tem seu limite posto pelo próprio real. Como disse a autora que aqui convoco: _ não foi a Bélgica que invadiu a Alemanha; embora versões distintas da realidade tenham sido propagadas. Logo por mais que o lugar de fala e as condições de poder de quem diz que algo ou alguma coisa é verdade, influenciem no resultado/impacto que essa verdade terá no público a quem ela se destina; o real que originou esse pretenso discurso de verdade se manterá como aconteceu e não como foi narrado e visibilizado, mesmo que, por algum impedimento,  jamais venha a ser revelado.

 

Então desconfie do que você lê por aí. Não compartilhe sem apurar. Compare sites e tente se informar sobre os contextos e sobre os personagens e instituições que estão divulgando uma determinada verdade. Fica a dica! Bom dia!

Ana Regina Rêgo

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