Em entrevista concedida ao jornalista Joseph Confavreux e publicada no site MEDIAPART em 03 de dezembro do corrente ano, Jacques Rancière, filósofo francês analisa a ordem dominante e as complexas confusões políticas do momento e, em várias respostas, Rancière se refere ao presidente do nosso país, Jair Bolsonaro, assim como, ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Vale ressaltar que estes se destacam no cenário mundial como personagens de um mundo da política de tendências não democráticas e que se mantém no poder graças aos esgarçamento dos valores das instituições que se dizem democráticas, mas que ao final, servem ao poder dominante, diga-se de passagem ao capital.
Lembrando que há cerca de 15 anos, Rancière lançou um pequeno e polêmico livro em quedenunciava o ódio das elites à democracia. Na visão deste autor, o ódio à democracia não é novo, no entanto, a potencialização do mesmo ao status democrático é algo contemporâneo. Em sua percepção é possível identificar a expansão desse sentimento negativo há algumas décadas, visto que o governo democrático passou a ser entendido como “mau” quando privilegia os direitos da coletividade. Enquanto que os “bons” governos democráticos se voltam para a liberdade e direitos individuais. Trata-se do modelo de democracia liberal em que o individualismo pregado pelo mercado do “eu” iphone, imac, iphop, etc., rege não só a esfera privada, mas pública.
O novo discurso antidemocrático faz um retrato da democracia com traços que eram atribuídos antigamente ao totalitarismo. Esse retrato, fala o autor, passará por um discurso de desfiguração como se, tendo se tornado inútil o conceito de totalitarismo, se pudesse aproveitar seus traços que podem ser compostos e recompostos para refazer o retrato daquilo que se supunha ser o seu oposto, exatamente a democracia.
Já na entrevista publicada esta semana, Rancière ao ser perguntado sobre os cenários do passado (em que analisou o ódio à democracia ) e o atual, responde afirmando que o discurso intelectual republicano do final do século passado e início do século XXI terminou se espalhando e alimentando o pensamento da extrema direita e foi usado para justificar restrições de liberdades, assim como, para reforçar argumentos racistas e homofóbicos que subsidiam as bases políticas de vários líderes no mundo atual, como no Brasil e nos EUA. Nas palavras de Rancière: pode-se dizer ao mesmo tempo que esses temas estenderam seu império e mostraram mais claramente sua obediência às potências dominantes. O ódio intelectual à democracia tem sido cada vez mais visto como mero acompanhamento ideológico do desenvolvimento vertiginoso de desigualdades de todos os tipos e do aumento do poder policial sobre os indivíduos.
Ao ser perguntado sobre o uso pejorativo do termo populismo como forma de exercer o processo político, Rancière responde que populismo não é uma forma política, mas tão somente uma interpretação, para ele o uso do termo tem como objetivo fortalecer uma personalização do Estado e alerta que o discurso dominante distorce a realidade visto que : ainda é o mesmo grande argumento de dizer que, se nossos estados são cada vez mais autoritários e nossas sociedades são cada vez mais desiguais, é por causa da pressão exercida pelos mais pobres que são, naturalmente, os mais pobres, mais ignorantes e que, como bons primitivos, querem líderes, autoridade, exclusão etc. É como se Trump, Salvini, Bolsonaro, Kaczyński, Orbán e sua raça fossem a emanação de um povo pequeno que sofria e se revoltasse contra a elite. Mas são, na verdade, a expressão direta da oligarquia econômica, da classe política, das forças sociais conservadoras e das instituições autoritárias (exército, polícia, igrejas).
Sobre a fragilidade das instituições democráticas no mundo ocidental, Rancière responde que as instituições que sustentam a democracia enquanto regime político, em verdade, não são em essência, democráticas. Eles são representativas, portanto oligárquicas. A teoria política clássica é clara sobre isso, mesmo que nossos governos e suas ideologias tenham trabalhado para confundir tudo. Instituições representativas são, por definição, instáveis. Eles podem deixar um certo espaço para a ação das forças democráticas - como foi o caso dos regimes parlamentares nos dias do capitalismo industrial.
Quando Joseph Confavreux lhe pergunta sobre o que enfrentar quando denúncias sobre governos carregam em si, apenas uma fachada democrática, quando leis e instituições são apenas aparências para o exercício do poder pelas classes dominantes e quando tudo isso dá lugar a personagens como Bolsonaro eTrump provocando o aumento das desigualdades e autoritarismo; Jacques Rancière responde dentre outras coisas, que não há fachada democrática sob a máscara da qual a realidade do poder das classes dominantes seria exercida. Existem instituições representativas que são instrumentos diretos desse poder. Para ele é preciso sair das confusões conceituais e separar o joio do trigo, entender que democracia não é o mesmo que representação, ter maioria nas urnas não garante um regime democrático, e, ao contrário pode dissolvê-lo completamente. Nesse sentido o autor é enfático ao se referir a Trump e Bolsonaro que seriam dois personagens que dificilmente poderiam representar os Estados que representam na atualidade. A primeira tarefa é sair da confusão entre democracia e representação e todas as noções confusas dela derivadas - do tipo "democracia representativa", "populismo", "democracia iliberal" etc. As instituições democráticas não devem ser preservadas contra o perigo "populista". Eles são para criar ou recriar. E é claro que, na situação atual, eles só podem ser contra-instituições, independentes de instituições governamentais.
Joseph Confavreux lhe pergunta para onde devemos direcionar o nosso olhar quando o ódio à democracia comparável a uma nostalgia ditatorial de Bolsonaro ou quando este sentimento se revela em um aparente bom humor de Junker, visto que ambos são ameaças ao processo democrático, ou seja, pergunta se as diferenças entre uma extrema direita autoritária (Bolsonaro) e tecnocratas capitalistas (Junker), ambos dispostos a reprimir violentamente seus povos, são apenas ameaças com níveis de força diferente, ou se estes, guardam em si, natureza similar, ao que Rancière responde afirmando que: há todas as nuances que queremos entre suas várias formas. Pode basear-se nas forças nostálgicas das ditaduras de ontem, de Mussolini ou Franco a Pinochet ou Geisel. Pode até, como em alguns países do Leste, combinar as tradições das ditaduras "comunistas" com as das hierarquias eclesiásticas. Pode ser mais facilmente identificado com as necessidades inevitáveis de rigor econômico, incorporadas pelos tecnocratas de Bruxelas. Mas sempre há um núcleo comum.
Para Rancière a resistência às oligarquias em todo mundo, nasce das forças autônomas que se movem dentro do sistema representativo e, em geral, se ligam aos partidos de esquerda. Infelizmente, a lógica da escolha entre os menos maus, prevalece, o que fortalece o poder oligárquico. Fica a dica!
Para ler a entrevista completa, clique aqui.
Lembrando que há cerca de 15 anos, Rancière lançou um pequeno e polêmico livro em quedenunciava o ódio das elites à democracia. Na visão deste autor, o ódio à democracia não é novo, no entanto, a potencialização do mesmo ao status democrático é algo contemporâneo. Em sua percepção é possível identificar a expansão desse sentimento negativo há algumas décadas, visto que o governo democrático passou a ser entendido como “mau” quando privilegia os direitos da coletividade. Enquanto que os “bons” governos democráticos se voltam para a liberdade e direitos individuais. Trata-se do modelo de democracia liberal em que o individualismo pregado pelo mercado do “eu” iphone, imac, iphop, etc., rege não só a esfera privada, mas pública.
O novo discurso antidemocrático faz um retrato da democracia com traços que eram atribuídos antigamente ao totalitarismo. Esse retrato, fala o autor, passará por um discurso de desfiguração como se, tendo se tornado inútil o conceito de totalitarismo, se pudesse aproveitar seus traços que podem ser compostos e recompostos para refazer o retrato daquilo que se supunha ser o seu oposto, exatamente a democracia.
Já na entrevista publicada esta semana, Rancière ao ser perguntado sobre os cenários do passado (em que analisou o ódio à democracia ) e o atual, responde afirmando que o discurso intelectual republicano do final do século passado e início do século XXI terminou se espalhando e alimentando o pensamento da extrema direita e foi usado para justificar restrições de liberdades, assim como, para reforçar argumentos racistas e homofóbicos que subsidiam as bases políticas de vários líderes no mundo atual, como no Brasil e nos EUA. Nas palavras de Rancière: pode-se dizer ao mesmo tempo que esses temas estenderam seu império e mostraram mais claramente sua obediência às potências dominantes. O ódio intelectual à democracia tem sido cada vez mais visto como mero acompanhamento ideológico do desenvolvimento vertiginoso de desigualdades de todos os tipos e do aumento do poder policial sobre os indivíduos.
Ao ser perguntado sobre o uso pejorativo do termo populismo como forma de exercer o processo político, Rancière responde que populismo não é uma forma política, mas tão somente uma interpretação, para ele o uso do termo tem como objetivo fortalecer uma personalização do Estado e alerta que o discurso dominante distorce a realidade visto que : ainda é o mesmo grande argumento de dizer que, se nossos estados são cada vez mais autoritários e nossas sociedades são cada vez mais desiguais, é por causa da pressão exercida pelos mais pobres que são, naturalmente, os mais pobres, mais ignorantes e que, como bons primitivos, querem líderes, autoridade, exclusão etc. É como se Trump, Salvini, Bolsonaro, Kaczyński, Orbán e sua raça fossem a emanação de um povo pequeno que sofria e se revoltasse contra a elite. Mas são, na verdade, a expressão direta da oligarquia econômica, da classe política, das forças sociais conservadoras e das instituições autoritárias (exército, polícia, igrejas).
Sobre a fragilidade das instituições democráticas no mundo ocidental, Rancière responde que as instituições que sustentam a democracia enquanto regime político, em verdade, não são em essência, democráticas. Eles são representativas, portanto oligárquicas. A teoria política clássica é clara sobre isso, mesmo que nossos governos e suas ideologias tenham trabalhado para confundir tudo. Instituições representativas são, por definição, instáveis. Eles podem deixar um certo espaço para a ação das forças democráticas - como foi o caso dos regimes parlamentares nos dias do capitalismo industrial.
Quando Joseph Confavreux lhe pergunta sobre o que enfrentar quando denúncias sobre governos carregam em si, apenas uma fachada democrática, quando leis e instituições são apenas aparências para o exercício do poder pelas classes dominantes e quando tudo isso dá lugar a personagens como Bolsonaro eTrump provocando o aumento das desigualdades e autoritarismo; Jacques Rancière responde dentre outras coisas, que não há fachada democrática sob a máscara da qual a realidade do poder das classes dominantes seria exercida. Existem instituições representativas que são instrumentos diretos desse poder. Para ele é preciso sair das confusões conceituais e separar o joio do trigo, entender que democracia não é o mesmo que representação, ter maioria nas urnas não garante um regime democrático, e, ao contrário pode dissolvê-lo completamente. Nesse sentido o autor é enfático ao se referir a Trump e Bolsonaro que seriam dois personagens que dificilmente poderiam representar os Estados que representam na atualidade. A primeira tarefa é sair da confusão entre democracia e representação e todas as noções confusas dela derivadas - do tipo "democracia representativa", "populismo", "democracia iliberal" etc. As instituições democráticas não devem ser preservadas contra o perigo "populista". Eles são para criar ou recriar. E é claro que, na situação atual, eles só podem ser contra-instituições, independentes de instituições governamentais.
Joseph Confavreux lhe pergunta para onde devemos direcionar o nosso olhar quando o ódio à democracia comparável a uma nostalgia ditatorial de Bolsonaro ou quando este sentimento se revela em um aparente bom humor de Junker, visto que ambos são ameaças ao processo democrático, ou seja, pergunta se as diferenças entre uma extrema direita autoritária (Bolsonaro) e tecnocratas capitalistas (Junker), ambos dispostos a reprimir violentamente seus povos, são apenas ameaças com níveis de força diferente, ou se estes, guardam em si, natureza similar, ao que Rancière responde afirmando que: há todas as nuances que queremos entre suas várias formas. Pode basear-se nas forças nostálgicas das ditaduras de ontem, de Mussolini ou Franco a Pinochet ou Geisel. Pode até, como em alguns países do Leste, combinar as tradições das ditaduras "comunistas" com as das hierarquias eclesiásticas. Pode ser mais facilmente identificado com as necessidades inevitáveis de rigor econômico, incorporadas pelos tecnocratas de Bruxelas. Mas sempre há um núcleo comum.
Para Rancière a resistência às oligarquias em todo mundo, nasce das forças autônomas que se movem dentro do sistema representativo e, em geral, se ligam aos partidos de esquerda. Infelizmente, a lógica da escolha entre os menos maus, prevalece, o que fortalece o poder oligárquico. Fica a dica!
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