A economia da cultura como área do conhecimento é relativamente nova. Sua origem remonta a década de 60 do século passado. Contudo, ainda hoje a economia da cultura vem desafiando os pilares da ciência econômica, sobretudo, em dois aspectos principais, de um lado porque não se adequa a lei das utilidades marginais, que se relaciona com a função e utilidade de cada bem, que teoricamente, diminui conforme se possui mais exemplares de um mesmo bem, o que na cultura se passa de modo distinto, quanto mais se tem mais se quer ter. O segundo se refere à questão da intangibilidade e a valorização da criatividade, impossíveis de mensurar com as ferramentas disponíveis pela economia tradicional.
Em outro prisma e em um ambiente interligado ao da Economia da Cultura nasce a Economia Criativa, nomenclatura que passou a ser usada em um passado recente. Alguns creditam a John Howkins o primeiro conceito sobre a mesma, e que teria sido publicado no livro “The Creative Economy” (2001). Mas o que seria a Economia Criativa? Existem pelo menos dois posicionamentos. Alguns estudiosos restringem o uso do termo ao ambiente das Indústrias Criativas, para muitos, sinônimo de Indústrias Culturais, enquanto que outros sugerem que a expressão seja empregue em um ambiente econômico maior, ou seja, que seja usada nos mercados cujos produtos e serviços incluam a capacidade intelectual, já que a sua base está centrada na Criatividade e na Inovação, fatores primordiais para o processo de desenvolvimento de estratégias que possam levar a uma vantagem competitiva. Entretanto, em nosso pequeno espaço nesta coluna privilegiamos as intervenções econômicas no campo cultural (criativo).
Vale no entanto, esclarecer que o conceito de Economia Criativa adotado hoje foi definido em 2002 na Rússia, no I Forum Internacional das Indústrias Criativas, como sendo “aquelas que têm sua origem na criatividade individual, habilidades e talentos que têm potencial de riqueza e criação de empregos através da geração e da exploração da propriedade intelectual. Assim, “Indústrias Criativas” é o termo utilizado para descrever a atividade empresarial na qual o valor econômico está ligado ao conteúdo cultural. “Indústrias Criativas” une a força tradicional da chamada cultura clássica com o valor agregado do talento empresarial e os novos talentos da mídia eletrônica e da comunicação". O escopo de abrangência da mesma foi então delimitado inicialmente, em três grandes áreas: Mídia e Espetáculos ao vivo; Design e Visual, e, Patrimônio Histórico, aos quais posteriormente se agregariam outros segmentos. É válido ressaltar que esse segmento mercadológico chamou a atenção no final do século XX e vem atraindo ainda mais olhares nos dias de hoje, sobretudo, em face de seu grande potencial para a geração de capital econômico que se alia ao capital cultural, (temas também já analisados nesta coluna) e que juntos contribuem efetivamente para o desenvolvimento das sociedades.
Portanto, embora relativamente nova, a concepção de Economia adjetivada com a nomenclatura Criativa vem provocando intenso debate em torno de suas reais intenções. Há quem a acuse de legitimar uma nova espécie de capitalismo neoliberal que estaria renovando as forças do capital agora com o aval das instâncias sagradas da cultura. Existem ainda os que afirmam que no Brasil a política cultural de orientação para Economia Criativa instaurada pelo MINC-Ministério da Cultura, através da Secretaria de Economia Criativa, está completamente comprometida com o mercado, em que só as grandes empresas lucrarão. No meio do debate existem também os apocalípticos que falam em destruição criativa.
Nesse ínterim, a UNESCO- Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura tem procurado aprofundar o debate em torno de um modelo desejável de desenvolvimento em que a cultura desempenhe o papel central. Já falei deste tema há algumas semanas em um artigo intitulado Centralidade da Cultura, quando chamei atenção para o fato de que esse protagonismo que tanto desejamos para a cultura deve se fazer não somente porque o campo cultural carrega em si um grande vetor de desenvolvimento, como também porque o faz a partir das referências culturais intrínsecas que definem e identificam as sociedades.
Todavia, enquanto se procura unir as áreas da economia criativa e da cultura, existe na sociedade contemporânea uma tendência a ver o lado econômico como referência e essa ideia seria não apenas uma herança das teorias e práticas capitalistas e marxistas, mas uma evidência muito além da própria teoria, da interpretação ou da prática. Tornou-se algo tão intrínseco ao se pensar ou se analisar as sociedades que qualquer outra perspectiva se tornou marginal. Entretanto não podemos em hipótese alguma ignorar a economia nas sociedades atuais, contudo, não podemos ignorar os demais componentes da vida em sociedade, portanto, enxergar que outros campos contribuem para o desenvolvimento das sociedades.
Nesse contexto, a utilização pelo campo cultural/criativo dos processos do campo econômico não pode ser uma via negligenciada no desenvolvimento dos territórios, sobretudo, os de pobreza e de extrema pobreza. O viés da política cultural voltada para a Economia Criativa deve ter em seu desenho tanto a meta do desenvolvimento holístico e aí, não só econômico, como também, o fomento à criatividade.
Nesse contexto e a partir do meu lugar de observadora, percebo nas possibilidades colocadas pela Economia Criativa oportunidades para impulsionar a criatividade e a sustentabilidade dos setores da cultura que vivem imersos em si mesmos e nem se tornam sustentáveis, pois continuam fazendo com que os artistas necessitem de outras profissões para sobreviver; nem se tornam visíveis para a sociedade. Esse ciclo de isolamento necessita ser rompido porque o visível pode se tronar sustentável a partir de ações integradas que passam pelo conhecimento dos métodos e técnicas do campo econômico.
Por outro lado, e lembrando que aqui me limito a economia criativa no campo da cultura; percebo também os riscos de uma sedução cultural pelo capital, já existente de forma contumaz nas ações de patrocínio em nosso país que direcionam a produção estético-artística para as manifestações de interesse empresarial, culminando com um tipo de privatização da cultura, como alerta Chin Tao Wu.
Entretanto, a luta e o relacionamento tensionado entre os campos não é determinado somente pelo campo econômico, considerando o grande poder de atração sobre as sociedades que exerce o campo cultural; vale portanto, negociar um lugar em que ambos os campos possam trazer benefícios para a sociedade. A cultura com a produção de valores que sejam agregados ao nosso capital cultural e a nossa identidade cultural e a economia cujas técnicas podem trazer a sustentabilidade ao mercado criativo-cultural. Retorno, portanto, a um tema já recorrente neste espaço opinativo, que é a centralidade da cultura e seu papel de protagonista no desenvolvimento das sociedades.
Ana Regina Rêgo
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