Realmente cansada de acompanhar a perniciosa novela que se desenrola nos espaços de poder do Brasil, em que os capítulos diários revelam tratativas de corrupção,negociações absurdas e falta de transparência.
A cada dia vemos nomes do governo anterior, nomes de partidos que formavam a oposição no governo passado e até nomes do governo interino, envolvidos em denúncias e escândalos sem fim. Homens de confiança de Michel Temer, recentemente empossados para cargos do alto-escalão, estão desocupando as funções com a mesma velocidade que assumiram, em face da revelação de condutas inapropriadas.
Ao acessarmos os meios de comunicaçãopela manhã, já nos preparamos para as surpresas do dia. São tantos escândalos, tantas denúncias, que nos perdemos no acompanhamento. E considerando que esta minha coluna é semanal, realmente é impossível acompanhar e comentar tudo o que se passa. Diante desse cenário, resolvi que hoje terei meu momento de alienação. Mas o farei à minha maneira e só para contrariar, uso aqui uma rima pobre, porque terei ajuda do Bandeira.
Acredito piamente que vivemos no Brasil uma república de sapos glutões. Sapos enganadores. Sapos asquerosos. E assim revelo aqui, meu preconceito para com a espécie. Preconceito que assimilei culturalmente, porque assim me foi ensinado, que os sapos são feios e carregam veneno. Ainda não sei como vencer esse preconceito.
Mas de fato, quem são os sapos? Segundo o Portal da Transparência Wikipedia, endereço: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sapo , “O nome sapo é uma designação genérica de anfíbios da ordem Anura predominantemente terrestres, com pele rugosa, e glândulas parotoides semelhantes a verrugas. É usado especialmente em relação a membros da família Bufonidae. No entanto, não sendo uma designação científica, aplica-se também a algumas espécies de outras famílias como Bombinatoridae, Discoglossidae, Pelobatidae, Rhinophrynidae, Scaphiopodidae e Microhylidae. Por exemplo, o sapo-parteiro pertence à família Discoglossidae, à qual pertencem também as rãs-pintadas”.
Vale ressaltar que algumas famílias apresentam nomes bem sugestivos, como visto acima, mas que não irei comentar, pois desejo deixar para o meu leitor o direito a uma interpretação criativa, sobretudo, considerando a comparação que proponho, em relação ao ambiente político.
E, portanto, cansada que estou de observar os sapos pulando de um lado pra outro nos espaços de poder, assumo aqui e agora minha alienação, saindo do terreno político e indo para a poesia, e para tanto, chamo Manuel Bandeira e seu clássico poema, Os Sapos, lido por Ronald de Carvalho na abertura da Semana de Arte Moderna em São Paulo, em 1922.
Na ocasião se rompia com uma estética e uma linguagem anterior e se buscava nova identidade para a arte nacional. Nascia ali o movimento modernista. O poema de Bandeira criticava veementemente o parnasianismo. Aproposição de novas linguagens seguiram pela literatura, música e artes plásticas. A semana de 22, como é do conhecimento de todos, viria a influenciar os movimentos culturais posteriores. Então para relembrar e me apropriar de uma linguagem do passado para protestar nesse momento, com vocês: Manuel Bandeira!
OS SAPOS
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…
Ana Regina Rêgo
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