Nasci sob égide da Ditadura civil-militar que assolou o Brasil por mais de vinte anos, portanto, nasci sob os ditames de um país machista, em que meninas eram e em grande medida ainda são, educadas diferentes dos meninos. A diferenciação estava em todos os lugares e instituições. Felizmente iniciei os estudos já em escolas católicas mistas, mas meus pais estudaram em colégios em que não havia convivência entre homens e mulheres. Vale lembrar que à menina caberia ser bem-educada e comportada. Ao menino tudo era e ainda é, permitido. Contudo, assim como, a maioria das mulheres da minha geração, em nenhum momento me conformei com o status quo definido socialmente e desde muito cedo rompi com todas as regras possíveis e pensáveis. Ainda adolescente me tornei mãe e a partir de então, sempre eduquei minhas filhas para a vida. Ensinei-lhes o que não era e ainda não é permitido a muitas mulheres, ou seja, lhes ensinei a pensar, a contestar e a lutar por suas convicções.
Quando minha segunda filha, hoje universitária, ainda era criança, me recordo de ir a uma reunião de pais e mães na escola em que ela estudava e ouvir da mãe de um menino que recorrentemente batia em meninas, de que o errado era as mães criarem as meninas com os mesmos valores e direitos dos meninos, pois acreditava que se as meninas não revidassem, os meninos não seriam violentos. Nem preciso dizer que o sangue subiu e que quase bati naquela infeliz mulher.
Hoje vejo novíssimas igrejas muitas cristãs com seus dogmas criados a partir de interpretações equivocadas do texto bíblico que por sinal tem mais de 2 mil anos e, portanto, interpretá-lo sem considerar o seu próprio contexto e historicidade é praticar um anacronismo sem precedentes; como também vejo o crescimento galopante de seitas e divisões radicais do islamismo, pregarem abertamente pela submissão feminina ao homem, reafirmando os valores do machismo que impregna e contamina a sociedade mundial.
Assim caríssimas leitoras, para quem escrevo hoje, gostaria de lhes falar convictamente que nenhum Deus deseja a submissão da mulher, nenhum Deus deseja para a mulher valores, direitos e liberdades distintas dos adotados para ohomem; quem de fato deseja isso são os homens que pretendem perpetuar o seu poder de macho e que não toleram a igualdade. Sem a submissão física e em muitos casos psicológica e religiosa, não poderiam fazer o que entendem, pois teriam que atender e respeitar os direitos da mulher.
É bem verdade que a realidade tem mudado. Muitos homens já conseguem enxergar o machismo como um mal, todavia, mesmo assim, perpetuam em piadas e em ações, posturas de discriminação em relação a mulher. Muitos alegam que é apenas brincadeira e que não faz mal. Mas faz sim e muito porque ajudam a perpetuar uma ideologia que relega a mulher a uma posição de inferioridade na sociedade. Cada vez que rotulam as mulheres com denominações pejorativas, estão afirmando o status quo de domínio masculino.
Por outro lado, vale ressaltar que os textos sagrados e muitas das nossas leis ainda vigentes foram escritas por homens. Por esses meios é que a cultura do machismo tem se impregnado na eticidade pública através da incrustação de valores religiosos e morais que são voltados exclusivamente para a limitação da liberdade feminina. Por trás disso tudo, toda uma cultura milenar de dominação masculina que incentiva o assédio moral e sexual e até o estupro, e que termina por imputar a culpa à própria vítima pelos crimes que sofre.
A hegemonia masculina é tão forte do ponto de vista ideológico que a própria mulher defende os direitos do homem, muitas vezes de forma incondicional.
Recentemente tenho ouvido tanto de mulheres maduras quanto de jovens, que o mundo está errado porque as mulheres enlouqueceram. Dentre as últimas condutas mais reprovadas, podemos mencionar as adotadas durante os protestos contra a cultura do estupro, em que se buscou chamar a atenção, dentre outras coisas, para o direito de se vestir conforme se deseja e não só isso, mas, primordialmente, se procurou mostrar que é preciso educar os homens a não cometer tais atrocidades. Pois bem, muitas mulheres condenam os protestos e até insinuam que os atos foram provocações ao sexo masculino que estaria em seu lugar e teria o direito de estuprar.
Os piores casos, no entanto, localizamos em mulheres e homens que estão condenando a simples menção a palavra FEMINISMO, como se adotar a luta pela igualdade entre os sexos fosse algo indigno da condição FEMININA. Confundem não só os vocábulos, como os contextos e terminam por incentivar a MISOGINIA, como temos visto, em alguns de nossos parlamentares, principalmente, em nível federal.
Nesse sentido, sabemos que o conhecimento pode expulsar de muitos paraísos, mas também sabemos que é necessário para que a humanidade possa conhecer e contestar os meios de dominação hegemônica que se colocam às sociedades. Fala-se muito em dominação econômica, mas dificilmente, se contesta a dominação masculina em todos os setores da vida em sociedade. Nesse sentido situo abaixo alguns vocábulos que podem ajudar a compreender tanto o contexto atual, como a luta das mulheres desde sempre.
Feminismo: movimento social, político e ideológico que defende a igualdade de direitos entre homens e mulheres
Femismo: ideologia que deseja a superioridade da mulher sobre o homem ( antônimo de machismo). Não é o que se pretende.
Misoginia: repulsa, desprezo ou ódio contra às mulheres. Esta forma de aversão mórbida e patológica ao sexo feminino está diretamente relacionada com a violência que é praticada contra a mulher.
Misandria: raiva, ódio e aversão contra o sexo masculino.
Misantropia: repulsa ou aversão ao ser humano. Podemos encontrar misantropia na forma de homofobia, xenofobia e misoginia.
Por fim, hoje tivemos notícia de mais um caso de estupro coletivo no Piauí. No início da semana 147 estudantes foram assinados em uma Universidade do Quênia por grupos terroristas radicais. Nos Estados Unidos um homem assassinou 50 pessoas em uma boate frequentada por pessoas de orientação sexual LGBT. Parece que estamos criando uma sociedade monstruosa cujos valores passam longe do respeito, da solidariedade, passam longe da amizade, da compreensão, do amor e do carinho. Por todos os lados, o que vemos crescer é a misantropia, o ódio ao ser humano. Em pleno século XXI retornamos à barbárie; ou talvez, nunca tenhamos saído desse estágio inicial do desenvolvimento humano. Vale, portanto, pensar que mundo estamos criando para nossos filhos! Que a paz esteja com todos!
Ana Regina Rêgo
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