Estamos acostumados a reconhecer e valorizar o capital econômico, cujos detentores são tratados de forma diferenciada nas sociedades. Muitos se acreditam acima da grande população. É bem verdade que o poder econômico proporciona condições de consumo de produtos e serviços não acessíveis a grande maioria. Entretanto, muitas vezes, a busca pelo diferencial se dá de maneira artificial projetando imagens que não correspondem à identidade do indivíduo, o que leva a pessoa a uma falsa impressão de diferença.
No ambiente corporativo, as empresas se esforçam para criar vantagens competitivas para seus públicos de interesse. Alguns caminhos bem conhecidos são trilhados nesse sentido, tais como: um bom atendimento, uma estética diferenciada, a criação de experiências únicas para os clientes, dentre outros.
Contudo, desejo trazer para o debate de hoje, o diferencial como elemento construtor do capital cultural das sociedades. Já me referi algumas vezes nessa coluna ao conceito de capital cultural e hoje retorno à temática, em face de depoimentos feitos a mim por alguns amigos que recentemente visitaram o Piauí e que ficaram encantados com as belezas naturais, comidas, receptividade do povo, etc., mas que também ficaram indignados com o aparente abandono por parte do poder público em relação aos parques nacionais e outros pontos que possuem grande potencial turístico.
Na maioria dos países a concorrência pelo mercado turístico se faz por meio do capital cultural e do capital natural, de modo que ambos contribuam para o fortalecimento do capital social, trazendo melhoria da qualidade de vida das populações aonde a indústria do turismo se estabelece. É bem verdade, que nem sempre as coisas caminham de modo integrado e um grande complexo turístico pode não trazer benefícios para a comunidade onde está estabelecido. Contudo, a lógica do investimento em capital cultural e em viabilizar e preservar os recursos naturais como atrativos turísticos, deve, impreterivelmente, proporcionar o desenvolvimento sustentável, considerando as quatro dimensões da sustentabilidade: ambiental, social-cultural, econômica e política
Em 2013 a China, por exemplo, entrou na briga pelo mercado turístico mundial, disputando diretamente com a França e com os Estados Unidos. Lá ao que parece inaugurou-se naquele ano, em média, um Museu por dia, no último ano. Pensem na quantidade de espaços de memória e de interatividade e de atrações para que os ocidentais explorem as maravilhas do país da grande muralha. E olha que a China é um dos berços da civilização oriental com riquíssima tradição e grande noção do valor cultural que possui para o mundo, por isso mesmo, não se acomoda ao capital que possui, mas trata de valorizá-lo ainda mais, objetivando disputar tanto o mercado turístico mundial, como também, proporcionar condições para que o mundo reconheça sua cultura e seu valor.
Nesse mesmo caminho, mas um pouco antes, na Espanha, por exemplo, uma cidade milenar como Bilbao, mas de tradição industrial e sem um maior atrativo cultural, construiu um Museu Guggenheim cuja arquitetura de Frank Gehry foi pensada para ser a atração das atrações na região, atraindo mais que o acervo ou as exposições que por lá passam.
Outras cidades e regiões do planeta estão disputando visitantes e logo geração e circulação de receitas. No Brasil os exemplos mais conhecidos e concentradores são as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, outras como Salvador também estão na disputa ao lado de regiões, como a que concentra as cidades históricas de Minas Gerais, dentre outras. Contudo, há um ponto em comum a todas as cidades e regiões que procuram acumular e visibilizar capital cultural para atrair turistas e fazer a economia se tornar mais potente beneficiando a sociedade; que é o fato de que não se projeta a estrutura cultural, ou o recurso natural, ou se faz um plano de divulgação, sem antes trabalhar a cozinha, ou seja, sem montar uma infraestrutura básica que envolve uma malha viária, uma estrutura hoteleira, aeroportos minimamente preparados, educação e capacitação para o setor, um setor gastronômico preparado, etc.
Nesse contexto, vemos que algumas cidades procuram criar diferencial para poder se destacar no cenário de oferta turística e atrair as pessoas, só que no Piauí, aonde temos grandes destaques culturais e naturais que nos diferenciam da oferta turística mundial e podem nos dar vantagens competitivas incomensuráveis no mercado turístico, sobretudo, o especializado; pouco se investe em condições de recepção condizentes com o tamanho dos nossos recursos.
Os parques nacionais da Serra da Capivara, Serra das Confusões e Sete Cidades acumulam tanto capital natural como capital cultural. São reservas naturais de rica fauna e flora e ao mesmo tempo se configuram como depósitos de rastros e vestígios do passado da humanidade, portanto, de grande valor. Na Serra da Capivara destacamos a atuação da FUNDHAM-Fundação Museu do Homem Americano que tem conseguido manter, não sem lutas e dificuldades, o Museu, proporcionar pesquisas através de convênios e explorar muitos sítios arqueológicos, etc. Recentemente, no entanto, a FUNDHAM esteve a ponto de fechar as portas por falta de recursos e o Parque também correu o risco de ser fechado, pois a fraca presença do poder público apoiando ou protagonizando ações que promovam mudanças sociais nas comunidades dos quatros municípios que compõem o Parque, tem atrasado o processo e dificultado as ações de preservação, fiscalização e desenvolvimento sustentável. O aeroporto está concluído, mas não foi viabilizado ainda. Não existe nenhuma estrutura funcionando, apenas um grande monumento aeroportuário entregue ao sol escaldante da caatinga.
O Delta do Parnaíba que tanto exploramos do ponto de vista da comunicação e onde o Piauí detém cerca de 35% da área, e que foi constituído como uma APA-Área de Proteção Ambiental desde 1996, também não recebe investimentos governamentais que possibilitem sequer a fiscalização eficaz, o que dirá um desenvolvimento sustentável que beneficie as populações, que preserve os recursos naturais e promova o crescimento de modo controlado e benéfico.
Mencionei alguns dos nossos pontos turísticos que possuem capital cultural e capital natural inegável, mas não esgotei nem de longe as possibilidades e potencialidades do Piauí. A Pedra de Castelo, por exemplo, guarda em si, não só a beleza natural da formação rochosa, mas também todo o sincretismo e a religiosidade do nosso povo. Oeiras histórica, Amarante, Pedro II, dentre outras cidades também possuem seus diferenciais inexplorados.
Ao final fica o convite para conhecermos e valorizarmos nosso capital cultural. Único no mundo, nosso imenso acervo de figuras rupestres pode nos colocar na rota turística mundial alavancando o desenvolvimento e proporcionando uma melhoria na qualidade de vida da nossa população. Mas deixo principalmente a dica para que em ano eleitoral possamos pressionar nossos governantes e candidatos a um comprometimento real com nosso patrimônio.
Ana Regina Rêgo
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