Há cem anos o mundo vivenciava a primeira grande guerra mundial que se desenrolava em solo europeu. Durante o conflito os meios de comunicação, notadamente os jornais e mais ao final do conflito o rádio, já se utilizavam de técnicas de manipulação para sensibilizar as populações de cada lado e conseguir apoio incondicional. Quando confrontamos hoje os discursos veiculados naquela época nos vemos diante de uma miscelânea de verdades que não se encontram em nenhum momento.
É certoque a manipulação da imprensa inicia e se consolida ainda no século XIX, quando a ideologia da verdade nasce para o jornalismo que antes era muito mais ágora para o debate político e opinativo. Essa agregação do discurso de verdade vem credibilizar o jornalismo informativo e nos colocar em patamar superior frente à sociedade. O problema, no entanto, nasce no momento em que a reputação do jornalismo enquanto lugar da verdade passa a servir a grupos hegemônicos que deliberadamente manipulam discursos para obter adesões aos seus projetos de poder.
O fato é que os anos que se seguiram à primeira guerra viram nascer os movimentos totalitários e ditatoriais tanto nos países penalizados pelo primeiro grande conflito,como em inúmeros outros países pelo mundo. Concordo com Hannah Arendt quando afirma que em grande medida os movimentos totalitários e ditatoriais proliferaram em momentos de crise, sobretudo, porque a grande maioria das pessoas nunca esteve envolvida em movimentos e práticas políticas enão havia desenvolvido senso crítico para barrar as ideologias que lhes eram jogadas através de técnicas de manipulação que chegavam ao povo através da propaganda e do jornalismo, em grande medida.
Já a segunda grande guerra foi um período de uso excessivo de técnicas de manipulação e tinha o rádio como o principal meio transmissor de mensagens. Tanto os regimes totalitários e ditatoriais alinhados com as potências do Eixo, como os países que compuseram o lado dos Aliados se utilizaram de técnicas de manipulação para comover suas populações, chegando ao extremo de produzir situações em que o outro era apresentado como não humano.
As técnicas de manipulação adotadas por Goebbels durante o Terceiro Reich, como também pelos fascistas na Itália,foram disseminadas pelo mundo todo e assim até os regimes totalitários de extrema esquerda como o bolchevismo se utilizaram de práticas similares. Contudo, o uso não se restringiu a esses casos, os governos ditatoriais do Brasil no século XX, por exemplo, foram notáveis nessa prática, assim como, os de vários países tais como, o Franquismo na Espanha e o Salazarismo em Portugal.
Empiricamente pensamos ser fácil identificar a manipulação e não nos deixar envolver por ela, contudo, o processo só se completa quando a audiência de alguma mensagem efetivamente a recebe e a aceita, reinterpretando a seu modo. Aí se encontra o sucesso de um processo de manipulação, ou seja, ele só se efetivade fato, quando em hipótese alguma aceitamos ou reconhecemos que estamos sendo manipulados. Por esse motivo, vemos tantas pessoas que vivenciaram a ditadura militar afirmarem não ter havido ditadura no Brasil. Por esse motivo vemos tantas pessoas defenderam com veemência a Rede Globo que chega a casa de quase todos os brasileiros influenciando em nosso pensar diretamente.
Então como podemos identificar mensagens/narrativas/discursos manipulados? Com efetiva certeza não é fácil. É preciso pensar fora da caixa a que estamos acostumados. É preciso pensar como se constrói uma notícia. É preciso saber que para algo se tornar notícia alguém teve que escolher e enquadrar o acontecimento original sob algum prisma que diferentemente do que o cidadão comum e de boa fé pensa, tem muito de ideologia envolvida.
Por outro lado, é talvez sintomático analisar os discursos e as posições recorrentes sobre o que está acontecendo no país. Que temas surgem de forma insistente e não nos deixar descansar e se tornam pauta do café ao jantar? Que temas que eram pautas diárias desaparecem da noite para o dia? Que personagens surgem do nada como que salvadores da pátria?
Quais ângulos das chamadas, das manchetes e das noticias trazem o emocional para o primeiro plano ou nos colocam frente a situações condenáveis socialmente, tais como a corrupção e o vandalismo? O que não aparece nas notícias?
Exercício do pensar diferentemente do que fomos treinados midiaticamente para pensar. Exercício do desenvolver senso crítico. Exercício de emancipação e liberdade.
Atualmente os grandes meios de comunicação que se ramificam em inúmeros suportes e levam seus discursos manipulatórios de forma monopolista, focam no vandalismoe o associam às manifestações contrárias ao impedimento da Presidente Dilma e no Fora Temer. Não mostram as milhares e milhares de pessoas que estão ocupando os espaços públicos em todo o país de forma pacífica manifestando sua indignação. Não mostram a violenta e desproporcional repressão que discentes universitários estão sofrendo por parte da polícia em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo por se manifestarem contra o atual Sr. Presidente. Tentam reduzir tudo aos supostos quarenta baderneiros a que se referiu o Temerário.
O que todo esse processo secular tem nos legado em termos de conhecimento, ainda não sabemos ao certo. Quando pensamos que a humanidade está abrindo a mente ela se fecha em manifestações pautadas por ideologias conservadoras no campo religioso, político etc. Portanto, só nos resta tentar sensibilizar os nossos leitores a pelo menos por um momento, parar e pensar fora do que foram treinados desde sempre a pensar.
Acreditem o mundo não é o que parece, as representações que são feitas para nossa compreensão de mundo, pouco revelam da verdade escondida, no caso do nosso país e mais uma vez, plagiando José Murilo de Carvalho, no teatro de sombras. Fica a dica!
Ana Regina Rêgo
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