Preservar e resgatar o espaço, considerando seu lugar na história da cultura da Cidade. Para isso, a obra e seu autor são indissociáveis: o Meduna e o Dr. Clidenor de Freitas Santos.
O Sanatório Meduna fica(va) na Avenida Pinel, no cruzamento com a Rua Juliano Moreira. Esses dois últimos nomes são mais conhecidos na história da psiquiatria na França (no mundo) e no Brasil. Menos conhecido é o psiquiatra LADISLAU MEDUNA, húngaro, judeu que, perseguido pelo nazismo, se exilou nos Estados Unidos. Na inauguração do Sanatório Meduna, em 1954, ainda era vivo. Fez inclusive uma carta agradecendo a homenagem. (Você pode ver a fac-símile desta carta no artigo “História da Psiquiatria no Piauí” dos Professores Carlos Francisco de Oliveira – UFPI, Samuel Robson Moreira – UESPI e do enfermeiro Caio Moraes Nunes – graduado na UFPI. Procure no Google).
O espaço do prédio preservado precisa manter seus laços com a Psiquiatria. Uma vez o Alexandre Barbosa Nogueira, psiquiatra e meu colega no Seminário Arquidiocesano, me falou da importância dos arquivos do Meduna e do Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu para a história das práticas psiquiátricas no Piauí. O Dr. Wilson Freiras Santos, que dirigiu o Meduna por muitos anos, tinha um cuidado com esse arquivo. Onde está?
O espaço do Meduna pode ser usado para alimentar debates e estudos sobre o tema. Nos 25 anos da instituição (1979), o Dr. Clidenor promoveu a Jornada de Psiquiatria do Nordeste. A Associação Psiquiátrica do Piauí pode liderar esse processo, junto com as Universidades. O Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas produziu várias dissertações e teses sobre a política de saúde mental. Não tenho acompanhado as produções da pós-graduação do CCS.
Na festa dos 25 anos, Dr. Clidenor promoveu um jantar que tinha como cardápio exclusivamente carneiro no leite de coco com arroz branco e farinha de puba (aquela amarela). Elizeth Cardoso, sua amiga - a deusa, como ele a chamava - fez uma apresentação. No final, Dr. Clidenor subiu ao palco e pediu: sem acompanhamento nenhum, cante para nós “Mangueira”. As luzes se concentraram nela; e ela soltou sua belíssima voz: “Mangueira... Vista assim do alto, mais parece um céu no chão... Pra se entender tem que se achar que a vida não é só isso que se vê... Anda descalça ensinando um jeito novo da gente viver. De pensar e sonhar, de sofrer...”. Eu estava lá. É de arrepiar, ou melhor, é de “arrupiar”.
Logo depois, fui conhecer a biblioteca do Dr. Clidenor. Não era tão arrumada como a do Padre Raimundo José. Estantes de boa madeira do chão ao teto. Livros clássicos de filosofia, literatura e ciências humanas, bom acervo sobre o Brasil e sobre o Piauí. Muitos livros de arte, capa dura e em policromia. Muitos discos, muita música clássica. Uma vez, antes do Shopping Rio Poty ser construído, falei com o José Dutra, filho do Dr. Clidenor, e ele me disse que ainda existia alguma coisa. Onde estará?
No espaço do Meduna, precisa ter um Memorial de Clidenor de Freitas Santos, com fotos e objetos que documentam sua vida movimentada e de grandes sonhos. Seu ídolo era Dom Quixote.
Político progressista, na tradição trabalhista-populista, foi cassado em 1964. Exilou-se e se retirou da política. Em seu livro “Ideologia e Circunstância” reproduz discursos sobre nacionalismo e reforma agrária. E desenvolve sua tese sobre a ideologia como fator determinante. Adotava o nacionalismo na linha do ISEB e de Álvaro Vieira Pinto: “sem consciência nacional não há construção de uma Nação”. O Meduna pode ser também um centro de estudos e debates sobre desenvolvimento e justiça social. Carlos Lobo, vamos resgatar essa herança.
Dr. Clidenor foi membro da Academia Piauiense de Letras (APL). Membro ativo. Produziu saudações a novos acadêmicos, escreveu na Revista da Academia. Da “Geração de 45”, combinava a valorização da ciência (médica), com humanismo, poesia e o gosto pela retórica. A APL pode contribuir para um bom uso daquele espaço.
É claro que as entidades culturais e técnicas do Poder Público Municipal e Estadual responsáveis pelo tombamento têm que estar à frente do esforço de todos pela preservação e valorização do prédio do Meduna. O diálogo com o Grupo Sá Cavalcante e a Família Freitas Santos é fundamental.
Clidenor de Freitas Santos nasceu em Miguel Alves em 13 de fevereiro de 1913. Daqui a dez dias é seu aniversário; faria 108 anos. Ótima ocasião para homenagear esse teresinense honorário e de coração.
******
Antônio José Medeiros é sociólogo, escritor e professor da Universidade Federal do Piauí.
O Sanatório Meduna fica(va) na Avenida Pinel, no cruzamento com a Rua Juliano Moreira. Esses dois últimos nomes são mais conhecidos na história da psiquiatria na França (no mundo) e no Brasil. Menos conhecido é o psiquiatra LADISLAU MEDUNA, húngaro, judeu que, perseguido pelo nazismo, se exilou nos Estados Unidos. Na inauguração do Sanatório Meduna, em 1954, ainda era vivo. Fez inclusive uma carta agradecendo a homenagem. (Você pode ver a fac-símile desta carta no artigo “História da Psiquiatria no Piauí” dos Professores Carlos Francisco de Oliveira – UFPI, Samuel Robson Moreira – UESPI e do enfermeiro Caio Moraes Nunes – graduado na UFPI. Procure no Google).
O espaço do prédio preservado precisa manter seus laços com a Psiquiatria. Uma vez o Alexandre Barbosa Nogueira, psiquiatra e meu colega no Seminário Arquidiocesano, me falou da importância dos arquivos do Meduna e do Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu para a história das práticas psiquiátricas no Piauí. O Dr. Wilson Freiras Santos, que dirigiu o Meduna por muitos anos, tinha um cuidado com esse arquivo. Onde está?
O espaço do Meduna pode ser usado para alimentar debates e estudos sobre o tema. Nos 25 anos da instituição (1979), o Dr. Clidenor promoveu a Jornada de Psiquiatria do Nordeste. A Associação Psiquiátrica do Piauí pode liderar esse processo, junto com as Universidades. O Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas produziu várias dissertações e teses sobre a política de saúde mental. Não tenho acompanhado as produções da pós-graduação do CCS.
Na festa dos 25 anos, Dr. Clidenor promoveu um jantar que tinha como cardápio exclusivamente carneiro no leite de coco com arroz branco e farinha de puba (aquela amarela). Elizeth Cardoso, sua amiga - a deusa, como ele a chamava - fez uma apresentação. No final, Dr. Clidenor subiu ao palco e pediu: sem acompanhamento nenhum, cante para nós “Mangueira”. As luzes se concentraram nela; e ela soltou sua belíssima voz: “Mangueira... Vista assim do alto, mais parece um céu no chão... Pra se entender tem que se achar que a vida não é só isso que se vê... Anda descalça ensinando um jeito novo da gente viver. De pensar e sonhar, de sofrer...”. Eu estava lá. É de arrepiar, ou melhor, é de “arrupiar”.
Logo depois, fui conhecer a biblioteca do Dr. Clidenor. Não era tão arrumada como a do Padre Raimundo José. Estantes de boa madeira do chão ao teto. Livros clássicos de filosofia, literatura e ciências humanas, bom acervo sobre o Brasil e sobre o Piauí. Muitos livros de arte, capa dura e em policromia. Muitos discos, muita música clássica. Uma vez, antes do Shopping Rio Poty ser construído, falei com o José Dutra, filho do Dr. Clidenor, e ele me disse que ainda existia alguma coisa. Onde estará?
No espaço do Meduna, precisa ter um Memorial de Clidenor de Freitas Santos, com fotos e objetos que documentam sua vida movimentada e de grandes sonhos. Seu ídolo era Dom Quixote.
Político progressista, na tradição trabalhista-populista, foi cassado em 1964. Exilou-se e se retirou da política. Em seu livro “Ideologia e Circunstância” reproduz discursos sobre nacionalismo e reforma agrária. E desenvolve sua tese sobre a ideologia como fator determinante. Adotava o nacionalismo na linha do ISEB e de Álvaro Vieira Pinto: “sem consciência nacional não há construção de uma Nação”. O Meduna pode ser também um centro de estudos e debates sobre desenvolvimento e justiça social. Carlos Lobo, vamos resgatar essa herança.
Dr. Clidenor foi membro da Academia Piauiense de Letras (APL). Membro ativo. Produziu saudações a novos acadêmicos, escreveu na Revista da Academia. Da “Geração de 45”, combinava a valorização da ciência (médica), com humanismo, poesia e o gosto pela retórica. A APL pode contribuir para um bom uso daquele espaço.
É claro que as entidades culturais e técnicas do Poder Público Municipal e Estadual responsáveis pelo tombamento têm que estar à frente do esforço de todos pela preservação e valorização do prédio do Meduna. O diálogo com o Grupo Sá Cavalcante e a Família Freitas Santos é fundamental.
Clidenor de Freitas Santos nasceu em Miguel Alves em 13 de fevereiro de 1913. Daqui a dez dias é seu aniversário; faria 108 anos. Ótima ocasião para homenagear esse teresinense honorário e de coração.
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Antônio José Medeiros é sociólogo, escritor e professor da Universidade Federal do Piauí.
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