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Redação

contato@acessepiaui.com.br

19/09/2022 - 08h43

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19/09/2022 - 08h43

"ESQUERDA E DIREITA - O QUE FALTOU NO LIVRO DE NORBERTO BOBBIO"

 

 

Em fevereiro de 1994, o filósofo italiano Norberto Bobbio publicou um pequeno livro DIREITA E ESQUERDA - Razões e significados de uma distinção política. No prefácio à segunda edição, em outubro de 1994, Bobbio manifestou sua surpresa com o rápido esgotamento do livro. Porque a voz corrente, sobretudo entre os intelectuais, era que a distinção esquerda X direita tinha perdido o sentido, depois da queda do muro de Berlim (1989) e do colapso da União Soviética (1991). Na realidade, nos últimos 20 anos, a disputa entre esses dois lados só fez aumentar.

Bobbio defendeu duas teses básicas: a primeira - a distinção entre Esquerda e Direita não é entre defesa da Igualdade versus defesa da Liberdade, mas entre defesa da Igualdade versus defesa da Desigualdade; a segunda - para entender a configuração das ideologias, movimentos e partidos políticos, é preciso considerar três díades (ou pares que se opõem) – Igualdade X Desigualdade, Liberalismo X Autoritarismo, Moderantismo X Radicalismo. 

No final do livro, Bobbio assim resume as posições: a) de extrema-esquerda: igualitária, autoritária e radical; b) de centro-esquerda: igualitária, liberal e moderada; c) de centro-direita: inigualitária, liberal e moderada; d) de extrema direita: inigualitária, autoritária e radical. Bobbio explora bem os mais diversos aspectos da questão, utilizando recursos teóricos e exemplos históricos. Vejam o livro (Editora da UNESP).

Quero defender a tese de que, para entender a dinâmica política brasileira, é preciso introduzir uma quarta díade ou distinção no esquema de Norberto Bobbio: posição programática X posição não-programática ou fisiológica-clientelista. A díade não é um par que se opõe logicamente, mas dá conta da realidade brasileira. 

Aplicando a nova díade às posições clássicas: a extrema esquerda e a extrema direita são programáticas; a centro-esquerda também seria programática e a centro-direita, em geral, é fisiológica-clientelista.  Não precisa desenhar; basta olhar para o Centrão, em nosso Brasil.

O problema seríssimo que enfrentamos na Redemocratização pós-Constituição de 1988 é que esse tipo de política tem sobrevivido, ou pior, tem se fortalecido. 

A fisiologia, em biologia, estuda o funcionamento do organismo que garante a sobrevivência dos seres vivos. Em política, fisiologismo é o comportamento pessoal e coletivo que têm como princípio a própria sobrevivência (eleitoral). Vale tudo: comprar voto, tentar influenciar em decisões judiciais, participar de qualquer governo, nomear apenas servidores leais, ratear o orçamento e... acumular patrimônio.

O fisiologismo é que está na raiz do clientelismo, forma mais adequada ao capitalismo do que o velho coronelismo. A exclusão do mercado econômico pelo desemprego e subemprego e pela baixa renda da maioria cria um mercado eleitoral, simulacro de democracia.  Que, com o tempo, ganha um caráter também cultural, ou seja, passa a ser um costume “naturalizado”. Por isso, a “cadeia clientelística” envolve cabos eleitorais e eleitores.

É incrível o crescimento exponencial de cabos eleitorais, que querem negociar seu apoio com os candidatos a cada cargo. Antes, os chefes políticos locais (em geral, prefeitos e ex-prefeitos) eram os interlocutores; agora os vereadores, suplentes e mesmo lideranças comunitárias buscam entrar diretamente no jogo. Não me arrisco a quantificar quantos teríamos nos 224 municípios para os 2.456.056 eleitores do Piauí.

Ademais, o clientelismo influencia todo o ambiente da disputa eleitoral. É por isso que a Centro-esquerda no Brasil tem dificuldade de manter sua posição programática. Na disputa para Presidente da República, o fisiologismo-clientelismo pesa menos; para Governador e Senador bem mais; agora, para deputado federal, estadual, prefeito e vereador, é terrível e triste; está se tornando uma conditio sine qua non para o sucesso nas eleições.
 
Passadas as eleições, o fisiologismo-clientelismo atua através de suas bancadas na Câmara Federal e no Senado. Quer amarrar o Executivo. Cobra cargos e/ou benefícios. Não preciso citar nomes de deputados e senadores do Piauí e de outros estados que participaram dos governos FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro.  E com certeza já pensam em “endurecer” para participar num eventual e provável novo governo de Lula. Também não precisa “cirar” (sic) nomes.
 
Não sou contra emendas impositivas. Mas não concordo com o seu peso cada vez maior no Orçamento.  Sou a favor do Fundo Eleitoral com eleição em listas partidárias escolhidas pelo voto direto de todos os filiados.  Mas também não concordo com seu aumento maior do que a inflação, como tem acontecido nas últimas eleições.
O maior desafio é que o Centrão, lotado de velhas raposas políticas, está querendo “legalizar o clientelismo”. É uma verdadeira “exclusão de ilicitude” que Sérgio Moro queria conceder aos policiais. A “licença para matar” se torna “licença para comprar (voto)”.

Este é o sentido do chamado “orçamento secreto”. Não podemos regredir no método de distribuição de recursos para estados e municípios; o critério não pode ser a influência, o prestígio ou a “venda” do voto de deputados federais e senadores em votações específiccas. Do jeito que vai, até recursos do SUS, do FUNDEB, da Assistência Social não serão mais assegurados, independente de posição partidária de gestores estaduais e municipais. Já imaginaram se o Bolsa Família (auxílio Brasil) depender do prestígio de representantes políticos?

A lógica do fisiologismo se manifestou muito abertamente na Emenda Constitucional nº 123 (de julho de 2022), que, a pretexto de uma situação de emergência, permitiu uma “farra com intenção eleitoreira”: aumento do auxílio Brasil só até dezembro, aumentou do vale gás, auxílio para caminhoneiro e taxista, redução do preço dos combustíveis. Tudo subsidiado com recursos públicos. Manipulação da lei para tentar manipular a consciência e o voto das pessoas.

Mas o tiro está saindo sair pela culatra. Vamos começar derrotando o fisiologismo-clietelismo nas eleições. Me permitam um apelo: vamos ajudar os candidatos que queiram se libertar do cerco clientelista. Vamos eleger um Presidente que quer incluir os pobres num Orçamento transparente. Vamos eleger parlamentares programáticos de esquerda e centro-esquerda, para avançar na luta contra o fisiologismo. A Democracia ganha força com o voto livre, consciente e de opinião! Luta prolongada e persistente. Eu acredito.

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Antonio José Medeiros - Sociólogo e professor aposentado da UFPI

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