Santo Agostinho ao quebrar a tridimensionalidade temporal composta por passado, presente e futuro com a proposta do triplo presente, a saber: presente-passado, presente-presente e presente-futuro, nos oferece a possibilidade de vivência do passado como memória, do presente como visão e do futuro como esperança.
Chegamos ao final de 2022 e apesar dos impensáveis atos antidemocráticos que perduram nas portas de quartéis, apesar da dissonância cognitiva coletiva que tem levado a condutas mais impensáveis ainda, como usar a luz dos telefones para contatar extraterrestres ou as performances e dancinhas estranhas, sem contar as caronas na frente de caminhões etc., a diplomação do Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do Vice Geraldo Alckmin aconteceu na última segunda-feira, 12 de dezembro.
Para o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral-TSE, Ministro Alexandre de Moares, a diplomação teve duplo significado, de um lado atestou a vitória da Chapa Brasil da Esperança liderada por Lula e Alckmin e a segurança do processo eleitoral brasileiro, enquanto por outro, “atesta a vitória plena e incontestável da Democracia e do Estado de Direito, contra os ataques antidemocráticos, contra a desinformação e o discurso de ódio proferidos por diversos grupos organizados...”.
Mas o que significa o futuro como esperança? Obviamente o desejo de um Brasil melhor e mais inclusivo, mais democrático, mais justo e com mais equidade.
O principal ponto e que tem feito o Presidente eleito chorar emocionado, se trata da fome, de recomeçar a luta contra a fome em nosso país. Esse ponto tem como alvo retirar novamente uma grande parcela da nossa população da situação de insegurança alimentar grave e hoje ao final de quatro anos do desgoverno de Jair Bolsonaro são mais de 33 milhões de brasileiros nessa situação.
Quando conclui minha tese de doutorado em 2010 (tese que trazia duras críticas a política cultural do Partido dos Trabalhadores, mas reconhecia o mérito dos avanços de então e conclamava por mais avanços), o destaque na economia se dava para o crescimento inigualável, do ponto de vista histórico, da classe C no Brasil. Classe que adquiriu poder de compra e de mobilidade urbana e social e a um tempo, passou a se inserir educacionalmente em todos os níveis de escolaridade, com destaque para as universidades públicas e privadas que passaram a ter discentes de todas as classes e todos os cantos.
As minorias, em nosso país, não tão minorias, como mulheres, mulheres negras, negros, comunidadesLGBTQIA+, indígenas, dentre outras, passaram a ter não só uma atenção diferenciada do Estado brasileiro na tentativa de tentar diminuir as injustiças históricas, como foram conquistando voz e espaço na sociedade, se posicionando como grupos organizados na sociedade civile conquistando a respeitabilidade que o Brasil lhes devia.
Os anos de Bolsonaro tentaram apagar tais conquistas, tentaram devolver as comunidades mencionadas para a margem dos direitos sociais e políticos, mas a semente já estava plantada e os grupos conquistaram parlamentares que direto do Congresso poderão lutar por mais e mais direitos.
Então em certa e grande medida o futuro como esperança está nas conquistas do passado recente, com a obviedade de que não podemos parar nos avanços das duas últimas décadas, mas precisamos avançar mais e mais, para nos tornarmos um país efetivamente democrático e justo. Quase plagiando Krenak em seu livro lançado este mês de dezembro, o futuro que almejamos deverá nos trazer alguma coisa de passado, não o passado colonizador e opressor, mas o passado que tratou de lutar contra tais ditames.
Sabemos que os anos que virão não serão fáceis, visto que existe um país destruído a ser reconstruído em todas as áreas, mas o que nos guia é a esperança de ver novamente o sorriso do povo.
A educação e as universidades públicas abandonadas e sucateadas vão exigir esforço extremo de recomposição de verbas, assim como, a saúde, onde a rede hospitalar encontra-se em situação complicada e o Sistema Único de Saúde-SUS que esteve para ser extinto no governo no Bolsonaro, para dar mais espaço para o mercado privado de saúde, vai necessitar de grande incentivo para se reerguer.
Os desafios são muitos, mas será preciso enfrentá-lospara trazer o Brasil de volta ao mapa mundial. Vencer as ideias de um fascismo eterno, utilizando aqui a concepção de Humberto Eco, foi tão somente a primeira etapa para devolver o nosso país ao campo democrático e no campo democrático voltarmos a lutar pela visão de país que acreditamos e que nos diz não só de igualdade e liberdade, mas nos chama para a responsabilidade pelos mais vulneráveis e para a equidade social, educacional e econômica.
Será preciso enfrentar a figura fantasmagórica do mercado neoliberal e totalitário que só se importa com a maximização dos lucros, mas nem de longe pensa nos direitos dos trabalhadores que, em sua visão desumana, devem trabalhar em regime escravocrata, ganhando somente para comer, como acontece no momento com os trabalhadores de aplicativos e plataformas de serviços. Quem entrega a comida não tem tempo, nem dinheiro para comprar a própria comida.
Será preciso enfrentar o mercado da desinformação e para enfrentá-lo será necessário enfrentar as big Techs, as gigantes de tecnologia, as grandes plataformas digitais que permissivas intencionais se utilizam de modelos de negócios que privilegiam a proliferação da desinformação e do discurso de ódio em seu território virtual, embora neguem e não declarem os grandes lucros que os produtosdesinformativos trazem para seus bolsos.
Lula e Moraes, durante a diplomação, falaram sobre desinformação e regulação das plataformas, o que nem de longe se parece com censura, mas é claro que as plataformas já começaram seu lobby fortíssimo com os parlamentares eleitos, muitos pela segunda vez, somente com mentiras, desinformação e discurso de ódio. Essa aproximação se dá na tentativa de barrar o Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das fake News e outros projetos que trabalham nesse sentido.
Na Rede Nacional de Combate à Desinformação- RNCd Brasil o horizonte que se anuncia é de esperança, mas também de luta continuada contra a desinformação que por aqui é lucrativa e recompensadora para quem a pratica. Então a luta continua.
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