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Quinta-feira, 28 de novembro de 2024
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Cultura

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cantidiosfilho@gmail.com

05/03/2024 - 07h57

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cantidiosfilho@gmail.com

05/03/2024 - 07h57

A falta que ela me faz

 

 

?Eu teria uns seis anos de idade quando vi, pela primeira vez, algo que vagamente se assemelhava a uma bola de futebol. Um padre barrigudo andava em desobriga e celebrou missa numa capelinha existente na fazenda do Chico Cipriano. Depois da celebração, os moleques pegaram folhas de marmeleiro, enrolaram com teia de aranha e engendraram a tal “bola”. Paixão fulminante. Naquele batismo de fogo, perdi a carapuça do dedão do pé direito. As paixões machucam, aprendi com dor.

?De volta a Campo Formoso, peguei látex de maniçoba e fiz uma bolinha acesa: quicava sem parar. Com ela, descobri que a bola é um ser vivo, cheio de manhas e caprichos. Depois, vieram bolas de bexiga de boi, de meia, de borracha, de plástico, de couro... Inesquecível o dia em que comprei minha primeira bola de borracha, uma  legítima “casco de peba”, linda de viver. De posse daquela preciosidade, tornei-me o rei do pedaço, ou melhor, um tiranete prepotente: escolhia a dedo quem poderia jogar com a minha bola. Evidentemente, os mais habilidosos jogavam no meu time. Perder estava fora de cogitação. O jogo terminava quando me aprazia. Todos os dias, antes de ir para a escola, depois de acariciá-la, eu a colocava por trás da mala de minha mãe, sítio inexpugnável. Ainda assim, não me concentrava nas operações de aritmética.

?Mas a bola, como aquele porquinho-da-índia do Bandeira, não fazia o menor caso dos meus carinhos. Como mulher que se sabe muito desejadas, a bola obrigava-me a correr atrás delas como um alucinado. E corri, caí, sofri, chorei... Joguei em todos os lugares imagináveis: monturos,  lamaçal, piçarra,areia, pedreira... Há cacos de mim espalhados pelos campinhos improvisados do mundo. Por sorte, hoje sei, nunca passei de um canela de pau. Tivesse eu alguma habilidade no trato com a bola, não teria feito outra coisa na vida a não jogar futebol.

?Meu projeto pessoal era jogar futebol até os 80 anos de idade. Infelizmente, uma artrose renitente me tirou dos gramados aos 60. Sofri como um bezerro desmamado. Tentei tudo: de cirurgia a sebo de carneiro capado. Acabei derrotado. Há 15 anos ,privei-me do mais puro e natural dos prazeres. Só o futebol pode nos devolver, ainda que por alguns minutos, o sabor da infância. Acreditem: não há uma semana em que, pelo menos uma vez, eu não sonhe jogando futebol. Agora, é a bola que me persegue “pelas ruas do sono”.

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais. 

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