Segundo um filósofo de botequim, “onde não há nada, tudo também é nada”. Como nasci num lugar onde não havia nada, tornei-me especialista em “nadices”. Em Campo Formoso, não havia água. Carece dizer mais? Chovia muito menos que o necessário. De qualquer forma, condenados a viver, não nos sobrava tempo para sofrer.
Havia, naturalmente, as fugazes alegrias. Numa manhã de dezembro, dona Purcina regressou de São Raimundo Nonato com um presente para mim: uma balãozinho vermelho. Era bem pequeno, mas, comparado com as bolinhas de látex de maniçoba que fazíamos, tinha o tamanho da minha felicidade... Cuidadosamente, enchi o balão e convidei a molecada do meu tope para jogar. Alguém achou que a bolinha poderia crescer um pouco mais. Resolvi testar. Num átimo, o balãozinho converteu-se em inúteis tirinhas de borracha... Até onde me lembro, foi a primeira e a única vez na vida que chorei por uma perda. Por favor, não vamos meter amores nessa história...
O certo é que, mesmo hoje, ainda me fascina ver balões bailando no ar: parecem sonhos em evolução. Crianças estourando balões com os pés, prática tão comum em nossos dias, sempre me pareceu um ato de inaceitável violência.
Vamos ao que motivou esta arenga. Dia desses, ao passar em frente a um desses espaços onde se realizam eventos, percebi na lixeira um dilúvio de balões. Parei, fotografei-os e já me preparava para seguir em frente quando uma senhora ainda jovem, com dois meninos pequenos, aproximou-se de mim para pedir “uma ajuda”. Dei-lhe uns caraminguás e fiquei observando os menininhos entanguidos. Nenhum dos dois manifestou qualquer interesse pela montanha de balões... Bestamente, pensei: ou são tão pobres que nem sabem o que significa brincar ou os balões perderam definitivamente o encanto. O fato estragou-me o dia.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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