(Os últimos momentos de vida do escritor Fontes Ibiapina)
Texto adaptado de “Nonon, O menino da Lagoa Grande” (2012, editora Nova Aliança), de Eneas Barros, neto de Fontes Ibiapina.
O fenomenal escritor Fontes Ibiapina, o Nonon, faleceu há mais de 38 anos, no dia 10 de abril de 1986, depois de assistir de luneta à passagem do cometa Halley sobre as dunas da lagoa do Portinho. Alguns meses antes, o filho Aristóteles ouviu do pai o interesse por uma luneta, e por volta de fevereiro conseguiu comprá-la em uma loja de Fortaleza, para surpreender o pai. As previsões indicavam que o cometa apareceria na noite do dia 9 de abril, uma quarta-feira. Sob o comando de um entusiasmado escritor, um grupo de amigos se reuniu na casa de Osvaldo Almendra, para de lá tomarem o rumo do Portinho. Naquela noite, Aristóteles, a quem Nonon chamava Totim, havia chegado às 19h para a reunião, e logo se enfiou na cozinha para preparar os petiscos. Sairiam todos por volta de onze horas, pois o cometa seria visto à uma da manhã. Nonon chegou pontualmente às oito na casa de Osvaldo, e não percebeu que o filho já estava por lá.
- Pilim! – chamou pelo amigo Roberto Silva.
- Diga, doutor Nonon.
- A luneta está no carro. Hoje a gente vê esse cometa nem que a vaca tussa!
- Com certeza!
- Está tudo organizado? Tem cerveja gelada?
- Tem, doutor Nonon, bem geladinha.
- Pois abra logo uma aí antes do Totim chegar...
- Por que, doutor?
- Ora, quando ele chegar vai acabar tudo!
Nesse momento, Aristóteles botou a cabeça fora e disse:
- O quê, rapaz?
- Ô, meu Totim! – surpreendeu-se Nonon. – E todos riram a valer.
Depois de agradáveis momentos na casa de Osvaldo Almendra, continuaram a programação no Raimundo Silvestre, proprietário de um bar tipo cabana de palha às margens da lagoa do Portinho, onde vendia peixe frito e cerveja. O grupo estava entusiasmado por andar com uma pessoa de grande notoriedade, o Juiz Fontes Ibiapina! Os amigos subiram as imensas dunas que circundam a lagoa, para ver o cometa. A cauda surgiu, com um pouco de dificuldade, porque estava nublado. Nonon estava alegre. Adorava essas aventuras. Por volta de duas da manhã, voltaram ao bar para comemorar com peixe frito pescado no Igaraçu e camarões pitu. Aristóteles pegou carona de volta com o pai, que o deixou em casa às três da manhã em seu Corcel II azul escuro, ano 1985. No caminho, Nonon colocou no toca-fitas do carro o cassete “Para Iluminar a Cidade”, de Jorge Mautner. Era um disco marginal, que foi gravado ao vivo no Teatro Opinião, em abril de 1972. Aumentou o volume do carro (gostava de ouvir música alta) e deixou tocar “Estrela da Noite”, uma de suas músicas prediletas e a última que ouviria em vida : “A noite é escura / E o caminho é tão longo / Que me leva à loucura (...)”
Deixou Aristóteles em casa e seguiu em frente. O filho parou por alguns instantes na calçada e viu o Corcel II distanciar-se, a música sumindo ao longe na madrugada. Nonon chegou em casa pouco depois das 3 da manhã. Colocou o carro na garagem e subiu para o quarto. Tirou a roupa e vestiu o pijama azul claro de tecido fino, camisa aberta ao peito. Gostava de andar em casa à vontade, da forma como estava naquele momento. A empregada doméstica Helena dormia profundamente em seu quarto, no andar térreo. Nos instantes seguintes, Nonon não conseguiu dormir. Alguma coisa não estava bem. Sentia um aperto no peito, um incômodo a que não estava habituado. Sentou-se na cama, pensando que poderia melhorar, mas não conseguia se acalmar. Sentiu que era grave. Começava a fraquejar. Uma dor violenta o jogou na cama. Helena levantou-se e foi até o quarto do patrão. Abriu a porta e viu que ele estava deitado de costas, com os braços abertos e o olhar perdido. Imediatamente, ligou para Ariosto, que chegou rapidamente para levá-lo ao Hospital Nossa Senhora de Fátima. Passava das seis da manhã quando Aristóteles acordou sobressaltado. Havia alguém batendo desesperadamente na janela de seu quarto. Era Jandira, esposa de doutor Narciso, para lhe dar a notícia. O impacto foi violento.
Quando Aristóteles chegou, Nonon já estava no Centro Cirúrgico. Doutor Narciso ainda tentou reanimá-lo, mas viu que não tinha mais jeito. Acabou-se o homem, ficou a obra e o exemplo.
O corpo de Nonon foi trasladado para Teresina, para ser velado na sede da Associação dos Magistrados. Na manhã do dia 11 de abril de 1986, repousou no Cemitério São Judas Tadeu, onde o aguardava a sua “nunca deslembrada” Clarice. Teresina amanheceu com as manchetes de jornais estampando a triste notícia. No dia seguinte ao enterro, os familiares tomaram o rumo de Parnaíba e se encontraram no sobrado da Rua Pedro II, onde Nonon morava. Reuniram-se para decidir que destino dariam ao patrimônio material e cultural deixado por ele. Foi quando perceberam o vazio de um ambiente repleto de boas lembranças. O menino da Lagoa Grande fizera a sua última viagem, fechando um livro palpitante. Tombou um jequitibá.
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Eneas Barros, escritor piauiense - nas redes sociais.
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