1º de maio de 1984. Para seu Liberato, a travessia daquela noite foi extremamente penosa. Por volta das cinco horas da manhã, virou-se para a filha amada e afirmou: “Dezinha, o Cineso já deve estar chegando”. E calou-se para sempre. Em sua agonia terminal, parecia agarrar-se ao fiapo de vida apenas para esperar a minha chegada. Infelizmente, eu ainda estava percorrendo aquele estirão interminável entre Floriano e Itaueira.
Seu Liberato saiu de cena sem saber que Primeiro de Maio é o dia consagrado ao trabalho. Nunca tomou conhecimento de que, pelo menos naquele data, poderia ficar em casa de braços cruzados, pitando seu cigarrinho...
A última vez que estive com ele, já se encontrava muito debilitado. Depois que o cumprimentei, ele me disse: “Cineso (nunca aprendeu meu nome), preciso falar com você”. Aproximei-me um pouco mais: pode falar, seu Liba. Com seu jeito sossegado, adiantou: “Agora, não. Vá almoçar, descanse um pouco e venha conversar comigo”. Fiz conforme o recomendado. Por voltas das 14 h, aproximei-me. Seu Liberato perguntou: “Você está sozinho?”. Diante da resposta afirmativa, insistiu: “Veja se não tem ninguém por perto”. Reafirmei que estava só. O velho levantou a cabeça como se quisesse olhar nos meus olhos, tentativa inútil, já que estava cego havia bastante tempo.
Fez uma pausa, temperou a garganta e com voz firme afirmou: “Cineso, tenho uma pergunta que só você, que é estudado, pode me responder”. Fez outra pausa e, num tom mais baixo, perguntou: “Estão dizendo que o homem foi na lua. Tenho pra mim, que não foi não. Acho que isso é só cinema. Me diga a verdade: foi ou não foi?”. Olhei para meu pai com a mais profunda ternura. Era um velho destroçado pela enfermidade insidiosa que o consumia. Nada nele lembrava o lavrador que sabia ler os sinais da chuva em toda parte, que regava a terra com o suor do próprio corpo, que acreditava no poder do braço...
Sem vacilar, respondi: é mentira, seu Liba. Homem nenhum jamais pisou e nem pisará na lua. É tudo cinema, é tudo ilusão... O velho levantou a cabeça, esboçou um arremedo de sorriso e declarou: “ Eu já sabia”. E não voltou a tratar do assunto. Confesso que foi a única vez na vida que, sem constrangimento , menti para meu pai.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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