Em outro momento, já afirmei que pesco as minhas alegrias com anzol de linha curta em lagoa rasa, o que talvez explique meu apreço pela poesia de Manoel de Barros, feita de insignificâncias líricas.
Ao que interessa: dia desses, acordei com banzo, enfermidade que ataca pretos velhos de todas as idades. Desvontade de levantar da cama. De repente, entro no Facebook e o Kernard Kruel , de saudosa memória, me salva o dia. Na página dele, uma raridade: a foto do Manelão, ( talvez a única) feita pelo Arnaldo Albuquerque.
Manelão, para os mais jovens, era um dos doidos mansos de Teresina. Figura extremamente querida. Grandalhão, alpercatas enormes, barriga vazando da camisa, chapéu de palha e um jacá ou uma caixa no ombro. Chamavam-no de ladrão, uma inverdade. Manelão era um descuidista: surrupiava coisinhas como uma criança travessa que joga os óculos da avó no vaso sanitário só pelo prazer de sorrir.
São tantas as reinações do Manelão que dariam um bom livro. O maluco acreditava ser um artista de cinema, na linhagem de Maciste ou Tarzan. Tinha vocação épica.
Então, certa feita, entrou no velho prédio do Theatro 4 de Setembro e furtou as latas que continham os rolos de um filme, já anunciado pelo Alfredo, para ser exibido no domingo da ressurreição. Não me lembro se “Bem-Hur” ou "Os Dez mandamentos”. O fato provocou um reboliço na cidade.
Finalmente, alguém se lembrou do Manelão. Levado à delegacia, o maluco se limitava a sorrir afirmando: "Mistérios! Mistérios!”. Depois de penosa negociação, com o pagamento de um pequeno “resgate”, os rolos foram encontrados nas areias do Poti onde estavam enterrados.
Para tristeza de muitos, Manelão encantou-se. Curiosamente, os doidos mansos de Teresina desapareceram.
Ficaram os loucos violentos que nos infernizam a vida. Decididamente, já não se fazem doidos como antigamente.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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