Na juventude, tive um amigo que era especialista em previsões sinistras. Um dia, sem mais nem menos, afirmou: “Você vai morrer cedo: além de ter pouco sangue nas veias, é muito agoniado”. Não o levei a sério. Alguns anos mais tarde, uma vidente decrépita fez a mesma previsão: “Você tem espírito jovem, por isso essa agonia no juízo que vai lhe matar cedo”. Diante de prognósticos tão negativos, tomei a seguinte decisão: se vou morrer cedo, preciso gastar prodigamente cada tostão da minha cota de vida. E mandei ver.
Quando cruzei o cabo da desesperança, isto é, quando cheguei aos sessenta anos de idade, perdi completamente o medo da “indesejada das gentes”. Eu já estava no lucro: em minha aldeia, a média de vida era 45 anos. Não me contive e gritei pra ninguém: agora, só morro “de susto de bala ou vício!”. E não morri.
Nessa sexta (20/09), ao acordar, abri os olhos e contemplei a claridade da hora; ouvi o canto dos passarinhos e nenhuma dor não catalogada se anunciou. O coração, apesar dos solavancos, continua pulsando no ritmo habitual e respiro sem o auxílio de aparelhos. Desconfio que ainda estou vivo.
Olhei o calendário e constatei que, sem sofrimentos insuportáveis, cheguei aos 76 anos de idade. Nova decisão: sem a permissão do poeta Tanussi Cardoso, apropriei-me dos belos versos dele, que passarei a usar como lema: “Acho que só vou morrer/ depois de mim”. Assim seja!
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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