Ao longo da vida, dona Purcina, a que só conjugava os verbos no imperativo, acalentou um sonho: mudar-se para um lugar onde “corresse dinheiro, jorrasse água das torneiras e tivesse escola de graça”. A pobreza não o permitiu. Curiosamente, seu Liberato só desejava os ermos do sertão onde pudesse cultivar feijão, milho e mandioca. Apesar de desejos tão díspares, os dois viveram juntos por mais de 50 anos, sem maiores conflitos. A canga do trabalho os unia.
Um dia, a pretexto de visitar um filho tresmalhado, foi a São Paulo onde permaneceu por seis meses. Na verdade, foi sondar as possibilidades de mudar-se para a Pauliceia de mala e cuia. Não encontrou meios para fazê-lo. Voltou literalmente encantada com o que viu. Como não tinha dinheiro, a coisa mais valiosa que trouxe de lá foi um elegante garfo de metal. Guardou-o no armário de madeira. Só o utilizava em ocasiões especiais.
Uma tarde, pegou um prego, um martelo e, “com ardente paciência”, gravou as iniciais do seu nome: P C S (Purcina das Chagas Santos). Sem nenhuma explicação, deu-me o garfo de presente. Fiz a minha leitura: a velha quer me obrigar a lembrar-me dela todos os dias. Conservo o garfo como uma joia preciosa.
Algum tempo depois, com a memória já comprometida pelo Alzheimer, pegou o garfo, olhou-o com visível admiração e disse: “Quem fez isso era uma pessoa caprichosa”. Não deixei por menos: e muito esperta, dona Purcina! Muito esperta!
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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