Teria uns quatorze anos de idade, se muito. Era baiana, meio gaga, muito branca. Vista à distância, lembrava a haste de um lírio prestes a romper-se. De perto, uma dessas bonecas de porcelana chinesa. Tudo nela parecia reclamar cuidados especiais. A despeito da aparente fragilidade, era esperta, sonsa, maliciosa e (por que não dizer?) um tantinho cruel. Seu passatempo predileto: provocar-me. Sagazmente, aproximava-se de mim sem jamais me permitir tocá-la. Um jogo de sedução sofisticado demais para uma criatura de aparência tão pura. Fazia, à perfeição, aquele movimento pendular, tão caro às mulheres experientes...
Uma noite, saímos para acompanhar um reisado. Era um punhado de meninos e meninas, quase todos do mesmo tope. De repente, ela afastou-se das meninas e aproximou-se de mim. Como peças imantadas, nossas mãos atraíram-se e entrelaçaram-se. A cena deve ter durado alguns segundos, tempo suficientes para que eu desistisse de vez de me tornar sacerdote.
Pouco tempo depois, numa manhã de sábado, ela aproximou-se de mim com a leveza de um felino. Sem aviso prévio, sem uma palavra, beijou-me suavemente o rosto. Aparvalhado, bêbado de encantado, nem percebi que o beijo inesperado se fazia acompanhar de um tenebroso adeus. Como naquela canção do Chico, “E agora eu era um louco a perguntar/o que é que a vida vai fazer de mim”. Se não me trai a memória, foi primeira vez que morri de amor...
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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