Como qualquer cristão que já tenha dobrado o cabo da desesperança, tenho muitos mortos a lembrar, a reverenciar. Intuitivamente, desenvolvi uma estratégia para enganar-me em relação à morte. Simples: os meus mortos permanecem vivos em mim. Não consigo lembrar-me de nenhum deles morto. Vejo-os brincando, rindo, atuando no teatro louco da vida...
O moço da foto, por exemplo, era Raimundo Nonato, mais conhecido como Paredão. Foi meu amigo por mais de 50 anos. Quanto eu visitava São Raimundo Nonato, parava na casa dele antes de chegar à casa de dona Purcina. Ele me abraçava, passava a mão na minha carapinha branca e perguntava: "É tapioca, nego?". Eu respondia: e giz, nego burro! E ríamos como dois moleques felizes. Paredão saiu de cena no mesmo dia em que dona Purcina parou de usar os verbos no imperativo. Em minha memória, os dois permanecem mais vivos do que nunca.
Isso vale para Dobal, Fernando Costa, seu Liberato, Noé Mendes, Carlão, Sulica, Santana, Paulo Nunes, Zé Elias, Magalhães. Josafá...
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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