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Domingo, 24 de novembro de 2024
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cantidiosfilho@gmail.com

14/11/2024 - 07h59

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14/11/2024 - 07h59

Espero a Chuva Cair de Novo

 

Outros esperavam a floração dos mandacarus (Foto: Cineas Santos)

 Outros esperavam a floração dos mandacarus (Foto: Cineas Santos)

Antes da semeadura dos grãos, era necessário fazer a leitura dos sinais presentes na Natureza para saber se teríamos chuva ou não. Uns insistiam na experiência das pedrinhas de sal; outros esperavam a floração dos mandacarus; muitos liam os sinais na barra do amanhecer... Seu Liberato, por exemplo, ficava sempre atento à posição do ninho do João-bobo.  A mais insólita das leituras era a da Velha Zabel. De repente, com sua voz aflautada, afirmava: “Chove daqui pra manhã. Meu olho de peixe está formigando”. O tal “olho de peixe” era um calo seco, na planta do pé, que lhe doía quando a umidade do ar aumentava.

Para quem não conhece as agruras do semiárido tudo isso não passa de superstição boba. Para os sertanejos, a chuva vai muito além de simples fenômeno natural; tem uma dimensão divina. Não por acaso, no sertão, reza-se para chover. Em Campo Formoso, chovia pouco. Meu pai tinha o maior cuidado em manter as grotas que levavam água ao barreiro (que chamávamos de Fonte) sempre limpas, desobstruídas. Nenhuma gota de chuva poderia ser desperdiçada. Aliás, o único espaço cercado e com cadeado na porteira era justamente a Fonte. Ninguém podia entrar ali sem a expressa autorização do meu pai.

Quando saí do sertão, impus-me uma tarefa indeclinável: escrever um poema capaz de traduzir o que a chuva significa para mim. Infelizmente, faltam-me engenho e arte. Minha angústia findou quando abri o livro A Província Deserta, de H. Dobal, e deparei-me com o soneto “As chuvas”, que se inicia assim: “Nas mãos do vento as chuvas amorosas/Vinham cair nos campos de dezembro, / E de repente a vida rebentava/Na força muda que as sementes guardam”.  Com simplicidade e beleza, o poeta diz o que eu jamais conseguiria dizer. O soneto “As chuvas” me representa; a mim e a milhares de sertanejos como eu. E ainda há quem pergunte para que serve a poesia.
           
(fragmento de O aldeão lírico)

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais. 


 

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