Vivenciamos mais um caso que viralizou na Internet, o da dona Sandra, que foi feita refém no ponto de ônibus na Avenida Paulista e que depois revelou estar mais preocupada com a quantidade de coisas que tinha para fazer que com a própria situação que estava vivendo naquele momento. É sobre isso que quer falar hoje, porque nós trabalhamos tanto que não tempos tempo nem para sermos feitos de reféns.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional ) que propõe reduzir de 44 para 36 horas a jornada semanal do trabalhador brasileiro (PEC 221/19). No entanto, o texto está na Comissão de Constituição e Justiça à espera de um relator desde março, e a redução terá prazo de dez anos para se concretizar.
A questão, senhores, é que os trabalhadores brasileiros não têm tempo para si no modelo atual de regime trabalhista. Oito horas diárias, mais o intervalo do almoço, já lhes toma o dia. Além disso, há de se levar em consideração o tempo de deslocamento de suas casas para o local de trabalho, que geralmente envolve o traslado a pé para o ponto de ônibus ou metrô, a espera pelo transporte, o tempo que leva para chegar até o ponto de chegada, mais outro trajeto até suas casas ou posto de trabalho.
No caso de trabalhadores que moram em regiões metropolitanas, esses percursos podem demorar quatro horas – ou seja, para uma pessoa que trabalha das 8h às 18h precisa sair às 4h da manhã e voltar para casa às 22h, incluindo o dia de trabalho no sábado. Essa é a escala de trabalho geralmente feita por um salário mínimo.
Imaginemos que muitas pessoas não precisem de quatro horas para se deslocarem, mas ainda assim precisem de uma ou duas horas para fazer este percurso. Ainda assim, precisam de pelo menos dez horas ou mais para se dedicarem à atividade laboral, incluindo o tempo de trabalho e deslocamento, mais alguns preparos (acordar cedo, se arrumar e preparar a comida para ir ao trabalho, que também está envolvido no processo).
É tempo de vida que estamos dispondo exclusivamente para o trabalho enquanto podemos diminuir este ritmo para nos dedicarmos a outras funções. A maior parte dos trabalhadores que cumprem esta jornada ganham salário mínimo ou um pouco mais que isso. Como conseguir, por exemplo, cursar uma graduação ou um curso profissionalizante neste ritmo? “Ah, mas quem quer faz!” Não podemos tirar a exceção pela regra. Quando não se disponibiliza tempo para que as pessoas possam estudar, se tira a oportunidade de promover uma ascensão social profunda em uma sociedade.
Muitos acreditam que mudar o modelo atual de trabalho trará grandes prejuízos à economia, mas poucos se lembram que na época da Revolução Industrial os trabalhadores cumpriam jornadas de trabalho de 18 horas, não tinham direito à licença médica ou outros benefícios e tínhamos o trabalho infantil formalizado como forma de crescimento econômico porque um adulto custava mais caro para a indústria. E tudo isso nós conseguimos mudar provando que avanços são necessários para o progresso.
As pessoas gostam de fazer comparações do modelo adotado pelos Estados Unidos, onde não há férias, 13º, e outros benefícios assegurados pela lei trabalhista brasileira, quando a realidade dos norte-americanos é completamente diferente da nossa. Nos Estados Unidos, via de regra, uma pessoa é paga por hora trabalhada. No Brasil, se as pessoas pudessem, imprimiriam um regime de escravidão a quem contratassem - e eu não estou falando apenas de empresas – estou falando de pessoas físicas que contratam outras pessoas para realizar uma faxina, lavar um carro.... Se elas pudessem pagar apenas R$10, elas pagariam! Não quero aqui entrar no assunto do trabalho escravo que ainda assola o Brasil, este é um assunto para outro texto.
A preocupação que teve dona Sandra no ponto de ônibus da Avenida Paulista quando estava sendo feita refém, é que provavelmente ela teria duas ou três, quatro horas para chegar até sua casa depois de um longo dia de trabalho. Chegando em casa, ela teria uma ou duas horas do dia que lhe sobraram para preparar seu alimento e de sua família, limpar sua casa e executar outros afazeres dos quais não sabemos. Só então ela poderia dormir algumas horas e começar outro dia. O dia em que não tem tempo sequer para ser feita de refém. Essa é a rotina da maioria dos brasileiros.
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