REVISIONISMO HISTÓRICO
É ponto pacífico entre historiadores e pesquisadores da história, que a historiografia admite interpretações diversas sobre os mesmos fatos. A revisão é constante e até necessária quando visa sanar lacunas e atender questões de identidade, dentre outras.
Entretanto, o revisionismo que se pretende realizar no Brasil e em outros países da América do Sul, que tanto tiveram regimes ditatoriais em períodos correlatos, quanto redemocratização recente, como no nosso caso; tem em si, não somente um intuito ideológico, mas uma ideologia fechada em si mesma e calcada em certezas e não em problemas e inquietações que os documentos, emolumentos, testemunhos, rastros e vestígios podem ou não comprovar. Ou seja, o revisionismo pretendido no Brasil tem como intuito pautar uma versão da história que seja favorável aos militares e civis que apoiaram o regime, sobretudo, procurando justificar a violência do Estado, como algo necessário e mais ainda, como algo natural e direito do Estado.
Tudo se configura em prol de uma disputa pela memória coletiva e, principalmente, pela memória histórica, que é, em si, um espaço de disputas discursivas pelo poder.
Ouvimos cada vez mais, com certa recorrência, muitas pessoas que não viveram ( ou viveram a ditadura na bolha da alienação, visto que a imprensa era censurada, por exemplo), não pesquisaram, não leram, não estudaram; argumentando que não houve golpe em 1964 e sim revolução. Também argumentam que no Brasil não houveram assassinatos, desaparecimentos, exílios, demonstrando um total desconhecimento tanto dos resultados das pesquisas e das apurações da Comissão Nacional da Verdade, quanto de toda uma historiografia que focada em diversos campos do conhecimento procura dar visibilidade a atos de violência cometidos pelo Estado brasileiro e que não podem vir ser repetidos, pois configuram crimes contra a humanidade.
O mais incompreensível talvez seja a concordância com os atos de censura e cerceamento das liberdades individuais e coletivas e dos direitos civis. Assim como, a concordância com a “licença para matar” que o Presidente eleito pretende implantar.
O fato é que o revisionismo pretendido diverge e muito de uma pretensão de verdade tendo como pauta acontecimentos e documentos, tudo se assemelha ao achismo em prol do negacionismo e do justificacionismo. O Estado brasileiro pretende justificar suas ações no passado, como aparelho de cerceamento do pensamento e da livre prática da violência.
Essa intencionalidade, no entanto, não é por acaso, visto que o governo eleito necessita sensibilizar a sociedade não crítica, para os atos que pretende cometer, objetivando eliminar a oposição incômoda, enquadrando partidos políticos e movimentos sociais legítimos na marginalidade da lei Anti-terrorista.
O fato é que isso está se tornando possível, porque no Brasil nunca fizemos o dever o de casa, nunca encontramos o passado ou punimos os abusos do regime ditatorial, assim, ele retorna como uma sombra que com seus tentáculos pretende se instalar totalitariamente, impondo versões do passado, para justificar os abusos do presente.
Na América do Sul, Argentina e Chile puniram os ditadores e os militares culpados pelo desaparecimento, torturas e assassinatos de pessoas em massa, mesmo assim, a onda conservadora está negando tais acontecimentos e procurando uma revisão que seja favorável aos militares daqueles países.
Já no Brasil, a Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) propôs o silenciamento dos crimes militares ao anistiar o que denomina de crimes políticos dos torturadores e assassinos que estavam a serviço das forças armadas. Essa Lei impôs o silenciamento e não abriu brecha, nem mesmo no século XXI, após as apurações da Comissão Nacional da Verdade, para que os chefes de Estado e de governo no regime civil-militar e comandantes fossem punidos, como aconteceu em inúmeros países que passaram por processos traumáticos.
A Lei da Anistia foi um mal que hoje revela seus frutos. Temos um Presidente eleito não apenas favorável à ditadura, como também, favorável à tortura, favorável ao assassinato em massa, com a licença para matar ( já comentada) e temos uma população favorável a essas condutas.
No Brasil então, a banalidade do mal, enfatizada pela Hannah Arendt que tanto já comentei nesta coluna, está tão disseminada que parte da nossa população que apoia o governo eleito, considera não somente tolerável e aceitável, mas necessária a violência autorizada para as forças armadas e polícias, como se violência não trouxesse como consequência, mais violência. Muitos apoiadores, inclusive, são alvos fáceis para este tipo de violência estatal.
O ver o outro, o aceitar o outro, o combate aos crimes de feminicídio e de homofobia que nos colocam nos piores rankings de violência no mundo, não interessam aos eleitos, tudo a que se propõe é liberar armas e autorizar chacinas.
Incentivos para educação livre e condutoras de processos de consciência não interessam, visto que as ações totalitárias podem ser contestadas a partir do desenvolvimento do pensamento e da disseminação do conhecimento. Assim, até Paulo Freire, um dos autores mais lidos no mundo no campo educacional, está sendo criminalizado.
Loucos tempos esses em que o saber e poder se distanciam completamente, para dar lugar a uma aliança entre poder e alienação.
Já pensaram na revisão do nazismo na Alemanha? Dificilmente isto poderá ocorrer de forma fácil, visto que lá o dever de memória e o dever de justiça foram cumpridos. Os criminosos de guerra foram julgados e condenados. E os lugares de memória e a educação não deixam que a população esqueça ou cresça alienada.
Já pensaram na versão dos nazistas justificando o extermínio em massa dos judeus? Já pensaram na versão dos nazistas negando as atrocidades cometidas ?
Pois é, brasileiros alienados já pensaram e até contestaram o governo Alemão dizendo que não houve Holocausto, o que obrigou o governo Alemão a preparar um vídeo explicativo para a embaixada deles aqui no Brasil, explicando aos brasileiros, o que as crianças alemãs aprendem desde os primeiros anos escolares.
Mas no Brasil, não punimos os criminosos do regime. No Brasil não tivemos tribunais como na Argentina e no Chile, não condenamos ninguém. Nem fizemos como na França pós-guerra. Isso demonstra o quanto no Brasil temos uma justiça partidária ( do ponto de vista que possui lado). Isenção, imparcialidade da justiça constituem uma mera utopia que está se transformando em uma distopia crescente e temerária.
O revisionismo pretendido pelos generais e pelos partidários do governo eleito tem como intuito legalizar a violência do Estado, para tudo e contra todos que tiverem pensamentos distintos.
Redes de televisão já veicularam Vts com o lema ditatorial Brasil: ame-o ou deixe-o!
Em suma, era sobre tudo isso que eu falava há dois anos quando contestava as falas do Bolsonaro, ou seja, nada do que ele pregava e ainda prega, embora as pressões internas e externas estejam fazendo ele mudar de opinião todos os dias. Bem o que eu falava era que ele não se enquadrava em nenhum escopo democrático e que, portanto, nossa frágil democracia enquanto fenômeno, com os apoios que deu ao eleito, guardava e guarda em si, grande potência anti-democrática.
Tempos difíceis. Em que os direitos caem por terra e o policiamento se levanta como norma e ordem do dia.
É ponto pacífico entre historiadores e pesquisadores da história, que a historiografia admite interpretações diversas sobre os mesmos fatos. A revisão é constante e até necessária quando visa sanar lacunas e atender questões de identidade, dentre outras.
Entretanto, o revisionismo que se pretende realizar no Brasil e em outros países da América do Sul, que tanto tiveram regimes ditatoriais em períodos correlatos, quanto redemocratização recente, como no nosso caso; tem em si, não somente um intuito ideológico, mas uma ideologia fechada em si mesma e calcada em certezas e não em problemas e inquietações que os documentos, emolumentos, testemunhos, rastros e vestígios podem ou não comprovar. Ou seja, o revisionismo pretendido no Brasil tem como intuito pautar uma versão da história que seja favorável aos militares e civis que apoiaram o regime, sobretudo, procurando justificar a violência do Estado, como algo necessário e mais ainda, como algo natural e direito do Estado.
Tudo se configura em prol de uma disputa pela memória coletiva e, principalmente, pela memória histórica, que é, em si, um espaço de disputas discursivas pelo poder.
Ouvimos cada vez mais, com certa recorrência, muitas pessoas que não viveram ( ou viveram a ditadura na bolha da alienação, visto que a imprensa era censurada, por exemplo), não pesquisaram, não leram, não estudaram; argumentando que não houve golpe em 1964 e sim revolução. Também argumentam que no Brasil não houveram assassinatos, desaparecimentos, exílios, demonstrando um total desconhecimento tanto dos resultados das pesquisas e das apurações da Comissão Nacional da Verdade, quanto de toda uma historiografia que focada em diversos campos do conhecimento procura dar visibilidade a atos de violência cometidos pelo Estado brasileiro e que não podem vir ser repetidos, pois configuram crimes contra a humanidade.
O mais incompreensível talvez seja a concordância com os atos de censura e cerceamento das liberdades individuais e coletivas e dos direitos civis. Assim como, a concordância com a “licença para matar” que o Presidente eleito pretende implantar.
O fato é que o revisionismo pretendido diverge e muito de uma pretensão de verdade tendo como pauta acontecimentos e documentos, tudo se assemelha ao achismo em prol do negacionismo e do justificacionismo. O Estado brasileiro pretende justificar suas ações no passado, como aparelho de cerceamento do pensamento e da livre prática da violência.
Essa intencionalidade, no entanto, não é por acaso, visto que o governo eleito necessita sensibilizar a sociedade não crítica, para os atos que pretende cometer, objetivando eliminar a oposição incômoda, enquadrando partidos políticos e movimentos sociais legítimos na marginalidade da lei Anti-terrorista.
O fato é que isso está se tornando possível, porque no Brasil nunca fizemos o dever o de casa, nunca encontramos o passado ou punimos os abusos do regime ditatorial, assim, ele retorna como uma sombra que com seus tentáculos pretende se instalar totalitariamente, impondo versões do passado, para justificar os abusos do presente.
Na América do Sul, Argentina e Chile puniram os ditadores e os militares culpados pelo desaparecimento, torturas e assassinatos de pessoas em massa, mesmo assim, a onda conservadora está negando tais acontecimentos e procurando uma revisão que seja favorável aos militares daqueles países.
Já no Brasil, a Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) propôs o silenciamento dos crimes militares ao anistiar o que denomina de crimes políticos dos torturadores e assassinos que estavam a serviço das forças armadas. Essa Lei impôs o silenciamento e não abriu brecha, nem mesmo no século XXI, após as apurações da Comissão Nacional da Verdade, para que os chefes de Estado e de governo no regime civil-militar e comandantes fossem punidos, como aconteceu em inúmeros países que passaram por processos traumáticos.
A Lei da Anistia foi um mal que hoje revela seus frutos. Temos um Presidente eleito não apenas favorável à ditadura, como também, favorável à tortura, favorável ao assassinato em massa, com a licença para matar ( já comentada) e temos uma população favorável a essas condutas.
No Brasil então, a banalidade do mal, enfatizada pela Hannah Arendt que tanto já comentei nesta coluna, está tão disseminada que parte da nossa população que apoia o governo eleito, considera não somente tolerável e aceitável, mas necessária a violência autorizada para as forças armadas e polícias, como se violência não trouxesse como consequência, mais violência. Muitos apoiadores, inclusive, são alvos fáceis para este tipo de violência estatal.
O ver o outro, o aceitar o outro, o combate aos crimes de feminicídio e de homofobia que nos colocam nos piores rankings de violência no mundo, não interessam aos eleitos, tudo a que se propõe é liberar armas e autorizar chacinas.
Incentivos para educação livre e condutoras de processos de consciência não interessam, visto que as ações totalitárias podem ser contestadas a partir do desenvolvimento do pensamento e da disseminação do conhecimento. Assim, até Paulo Freire, um dos autores mais lidos no mundo no campo educacional, está sendo criminalizado.
Loucos tempos esses em que o saber e poder se distanciam completamente, para dar lugar a uma aliança entre poder e alienação.
Já pensaram na revisão do nazismo na Alemanha? Dificilmente isto poderá ocorrer de forma fácil, visto que lá o dever de memória e o dever de justiça foram cumpridos. Os criminosos de guerra foram julgados e condenados. E os lugares de memória e a educação não deixam que a população esqueça ou cresça alienada.
Já pensaram na versão dos nazistas justificando o extermínio em massa dos judeus? Já pensaram na versão dos nazistas negando as atrocidades cometidas ?
Pois é, brasileiros alienados já pensaram e até contestaram o governo Alemão dizendo que não houve Holocausto, o que obrigou o governo Alemão a preparar um vídeo explicativo para a embaixada deles aqui no Brasil, explicando aos brasileiros, o que as crianças alemãs aprendem desde os primeiros anos escolares.
Mas no Brasil, não punimos os criminosos do regime. No Brasil não tivemos tribunais como na Argentina e no Chile, não condenamos ninguém. Nem fizemos como na França pós-guerra. Isso demonstra o quanto no Brasil temos uma justiça partidária ( do ponto de vista que possui lado). Isenção, imparcialidade da justiça constituem uma mera utopia que está se transformando em uma distopia crescente e temerária.
O revisionismo pretendido pelos generais e pelos partidários do governo eleito tem como intuito legalizar a violência do Estado, para tudo e contra todos que tiverem pensamentos distintos.
Redes de televisão já veicularam Vts com o lema ditatorial Brasil: ame-o ou deixe-o!
Em suma, era sobre tudo isso que eu falava há dois anos quando contestava as falas do Bolsonaro, ou seja, nada do que ele pregava e ainda prega, embora as pressões internas e externas estejam fazendo ele mudar de opinião todos os dias. Bem o que eu falava era que ele não se enquadrava em nenhum escopo democrático e que, portanto, nossa frágil democracia enquanto fenômeno, com os apoios que deu ao eleito, guardava e guarda em si, grande potência anti-democrática.
Tempos difíceis. Em que os direitos caem por terra e o policiamento se levanta como norma e ordem do dia.
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