Tem um poema maravilhoso de Baudelaire chamado “Os Olhos dos Pobres”. Nele o poeta descreve um dia passado com uma mulher maravilhosa, com um nível de afinidade e cumplicidade tal que fazia com que ele, cético, chegasse a acreditar na possibilidade de ter encontrado sua alma gêmea. Chega a noite, e a moça sugere que eles se sentem em um café num dos recém inaugurados bulevares de Paris (O poema data da época do Plano Haussmann, reforma que deu a Paris a forma que tem hoje). O local resplandecia em seu charme sofisticado e semi-acabado. O poeta descreve o entulho ainda na rua, o cheiro de tinta fresca, os frequentadores chiques com sua criadagem, a exuberância gastronômica. Eis que chega um homem com duas crianças, uma ainda de colo. Sujos e maltrapilhos, olhando contemplativamente para o maravilhoso café. E Baudelaire lê, pelos olhares, a visão de cada um deles em suas idades. Ele se sente enternecido pelos olhares, e ao mesmo tempo um pouco envergonhado da fartura de sua mesa, e busca os belos olhos de sua amada, e acredita ler neles o mesmo sentimento que o inundava. Ela então diz “Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?”. E, como um frágil cristal, a imagem que ele tinha dela se estilhaça, e o possível amor se torna desprezo.
Peço perdão a Baudelaire por resumir nas minhas palavras o que ele próprio descreve tão melhor em sua obra. Mas eu acho o sentimento expresso ali muito adequado ao momento atual, e não sei quantos de vocês terão a paciência de buscar o original (o que recomendo!). Muitas coisas podem ser tiradas da cena descrita no poema. A injustiça da desigualdade, o reconhecimento de uma posição de privilégio, a importância da empatia. Mas pra mim a maior lição ali contida é:
Existem defeitos que são imperdoáveis.
Em várias ocasiões em que fui conversar com alguma pessoa próxima que vota nesse cara, as pessoas tentam levar a discussão para o lado de corrupção, ou de economia, ou da importância de tirar o PT, ou sei lá. O problema é que pra mim a opção passa por um lugar muito mais profundo, de humanidade, e moral básica. É simples: eu não voto em quem idolatra torturador. Eu não voto em quem fala que o erro da ditadura foi ter matado pouco. Eu não voto em quem diz que preferia ver o filho morto do que sendo gay. Eu não voto em quem diz abertamente que é contra a democracia. E mais uma lista de aberrações que esse cara disse, que são tantas que não dá nem pra listar.
Perto disso tudo, discussões sobre estado mínimo, direita e esquerda, reforma da previdência, educação, segurança, ou outras pautas, que tanto precisamos discutir como país, ficam insignificantes. É como se na eleição do condomínio um dos candidatos a síndico te desse um soco na cara, um chute no saco, matasse seu cachorro, e depois viesse querer discutir de que cor tem que pintar o portão, e pedir seu voto. Não dá.
O que ele fez foi roubar de nós a oportunidade de discutir que rumo queremos para o país. Não dá pra debater propostas, com um projeto como esse perigando ganhar. Então não se trata de um discussão meramente política, é uma questão de valores humanistas. Mesmo se eu achasse as propostas desse Jair sensacionais, eu ainda assim votaria contra ele. “Mas e o PT?” Foda-se! Qualquer um! Se fosse qualquer um dos candidatos, de todas as eleições desde 89, contra ele eu votaria. E olha que essa lista tem Maluf, Collor, etc.
Olha, eu também não gosto dessa polarização, externei minha opinião no primeiro turno, votei em outro candidato, acho que esse segundo turno prolongou por 4 anos essa inhaca que estamos passando. Tenho muitas críticas pesadas ao PT, quem me conhece sabe. Mas não há dúvida sobre qual o voto errado aqui. O mundo está vendo, todos os jornais importantes, de direita e esquerda, de todos os países, estão alertando. Até Madonna e Roger Waters sabem. Tem focinho de fascismo, rabo de fascismo, orelha de fascismo. O que é?
Tenho pessoas amigas que já estão sentindo na pele os efeitos dessa escalada na intolerância, e olha que ele nem ganhou ainda. Então o que eu estou fazendo é um apelo. Pensem bem, vejam de novo os vídeos com as falas abomináveis desse candidato. Não o que ele diz hoje, atenuado pelos marqueteiros, mas o que ele faz e diz há décadas. Por favor repensem, não entreguem o país para esse monstro sob o argumento de “pelo menos tiramos o PT”. Como Baudelaire tão bem nos mostra, alguns defeitos são sim imperdoáveis.
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Leo Moraes é historiador. No site Midianinja.org
Peço perdão a Baudelaire por resumir nas minhas palavras o que ele próprio descreve tão melhor em sua obra. Mas eu acho o sentimento expresso ali muito adequado ao momento atual, e não sei quantos de vocês terão a paciência de buscar o original (o que recomendo!). Muitas coisas podem ser tiradas da cena descrita no poema. A injustiça da desigualdade, o reconhecimento de uma posição de privilégio, a importância da empatia. Mas pra mim a maior lição ali contida é:
Existem defeitos que são imperdoáveis.
Em várias ocasiões em que fui conversar com alguma pessoa próxima que vota nesse cara, as pessoas tentam levar a discussão para o lado de corrupção, ou de economia, ou da importância de tirar o PT, ou sei lá. O problema é que pra mim a opção passa por um lugar muito mais profundo, de humanidade, e moral básica. É simples: eu não voto em quem idolatra torturador. Eu não voto em quem fala que o erro da ditadura foi ter matado pouco. Eu não voto em quem diz que preferia ver o filho morto do que sendo gay. Eu não voto em quem diz abertamente que é contra a democracia. E mais uma lista de aberrações que esse cara disse, que são tantas que não dá nem pra listar.
Perto disso tudo, discussões sobre estado mínimo, direita e esquerda, reforma da previdência, educação, segurança, ou outras pautas, que tanto precisamos discutir como país, ficam insignificantes. É como se na eleição do condomínio um dos candidatos a síndico te desse um soco na cara, um chute no saco, matasse seu cachorro, e depois viesse querer discutir de que cor tem que pintar o portão, e pedir seu voto. Não dá.
O que ele fez foi roubar de nós a oportunidade de discutir que rumo queremos para o país. Não dá pra debater propostas, com um projeto como esse perigando ganhar. Então não se trata de um discussão meramente política, é uma questão de valores humanistas. Mesmo se eu achasse as propostas desse Jair sensacionais, eu ainda assim votaria contra ele. “Mas e o PT?” Foda-se! Qualquer um! Se fosse qualquer um dos candidatos, de todas as eleições desde 89, contra ele eu votaria. E olha que essa lista tem Maluf, Collor, etc.
Olha, eu também não gosto dessa polarização, externei minha opinião no primeiro turno, votei em outro candidato, acho que esse segundo turno prolongou por 4 anos essa inhaca que estamos passando. Tenho muitas críticas pesadas ao PT, quem me conhece sabe. Mas não há dúvida sobre qual o voto errado aqui. O mundo está vendo, todos os jornais importantes, de direita e esquerda, de todos os países, estão alertando. Até Madonna e Roger Waters sabem. Tem focinho de fascismo, rabo de fascismo, orelha de fascismo. O que é?
Tenho pessoas amigas que já estão sentindo na pele os efeitos dessa escalada na intolerância, e olha que ele nem ganhou ainda. Então o que eu estou fazendo é um apelo. Pensem bem, vejam de novo os vídeos com as falas abomináveis desse candidato. Não o que ele diz hoje, atenuado pelos marqueteiros, mas o que ele faz e diz há décadas. Por favor repensem, não entreguem o país para esse monstro sob o argumento de “pelo menos tiramos o PT”. Como Baudelaire tão bem nos mostra, alguns defeitos são sim imperdoáveis.
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Leo Moraes é historiador. No site Midianinja.org
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