Uma manhã, depois de uma aula de literatura, fui abordado por um aluno muito estranho. Alto, magro, cabelos compridos e olhos que pareciam caber todas as dores do mundo. Educadamente, perguntou-me se eu poderia ler um poema dele. Sem maior entusiasmo, aquiesci. A primeira surpresa: o título do texto, “Antífona”. Quanto ao conteúdo, uma crítica aguda e instigante à Guerra do Vietname. Pensei comigo: esse moleque está tentando me testar. Lembrei-me do incidente ocorrido no Liceu Piauiense, na década de 1940, envolvendo um aluno irreverente e um velho professor de português. Para sacanear um professor de quem não gostava, um certo Orlando, aluno do curso científico, pegou um soneto dos menos conhecidos do Olavo Bilac e mostrou ao professor, afirmando ser de sua autoria. O velho professor não se fez de rogado, de lápis em punho, mostrou erros em tudo, até na metrificação. O aluno teria, então, afirmado: “O senhor não sabe de nada”. Por muito pouco, não foi expulso do colégio. O autor da brincadeira, mais tarde, tornar-se-ia o mais festejado dos ficcionistas piauiense: O.G. Rego de Carvalho.
Sem nenhum comentário, pedi ao rapaz que me trouxesse outro poema. Ele trouxe mais dois. Os temas eram distintos, mas a pegada era a mesma. Quando me trouxe o quarto, sem avisá-lo, publiquei-o no jornal O Estado. O garoto – o tempo se encarregaria de comprovar – era um poeta pronto, com um nome pomposo: Paulo Henrique Couto Machado.
Como à época eu não tinha filhos, adotei-o como “meu filho do coração”. Juntos, desenvolvemos dezenas de projetos: publicamos livros, difundimos a literatura piauiense nos sertões do Piauí, fundamos jornais, criamos o Projeto Mão Dupla e fomos até ameaçados de morte por causa de um texto do Paulo, publicado por mim, sobre a grilagem de terras no Piauí. Tive a honra de editar todos os livros dele.
Paulo Machado se fez advogado, professor, historiador, principalmente, poeta. Tornou-se um dos intelectuais mais respeitados do Piauí. Deu-se então uma inversão de papéis: Paulo passou a ser “meu pai”. Hoje, quando preciso tomar uma decisão séria, sempre o consulto. Mas o que efetivamente importa: somos amigos desde meados da década de 1970. Conviver com ele é sempre um prazeroso aprendizado.
Paulo Machado aniversariou nessa terça (23/07). Longa vida, meu irmão amado.
*****
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião desta página, se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.