Menino ainda, em Campo Formoso, Roberval Francisco dos Santos, o Nanô, tinha um sonho recorrente: fugir do rabo da enxada, da obrigação de abrir e fechar porteiras, do sol escaldante na moleira, da escassez de água, do sertão... Sonhava grande: queria ir para São Paulo, ganhar dinheiro graúdo, comprar uma sanfona fogosa e se tornar um artista famoso. Menos que o Luís Gonzaga não interessava.
Mal completou a maioridade, abandonou a escola, encarapitou-se no pau-de-arara da Nanu e rumou para a cidade onde “corria ouro pelo chão”, segundo um baião de seu Luís. De cara, tudo o que conseguiu foi um emprego na Nitro Química, com um salário que mal lhe garantia a sobrevivência.
Uma noite, num jogo de bilhar, ganhou uma sanfona seminova. Uma Scandalli vermelha, de 80 baixos. Abarcou o instrumento e, sem orientação de ninguém, conseguiu engendrar uns três acordes, apenas o suficiente para acompanhar-se nas cantigas conhecidas. Aos poucos, começou a tocar em bares, batizados, casamentos... Estava na hora de inventar um nome artístico. Nascia ali o “Nanô do Baião”. Comprou um chapéu de couro estrelado, camisa quadriculada, sandália de couro e caiu na vida.
Anos mais tarde, voltou a São Raimundo Nonato, contratou o Chico da Bernardina e passaram a tocar em todo lugar, do Salão do Pega-Reta ao puteiro do Severo. O Chico era bom pandeirista, com um inconveniente: à proporção que bebia, apressava o ritmo do pandeiro. Assim, uma valsa dolente podia transformar-se num frevo frenético, dependendo das “bicadas”. À dupla, juntou-se o velho Caetano, um clarinetista dos bons. O trio fazia um enorme sucesso. O Chico apressou a aposentadoria do velho Caita, que terminava as festas extenuado.
Nanô se casou, filhou, voltou para São Paulo, onde permanece até hoje. Na festa dos 80 anos dele, pretendíamos lançar um CD com um punhado de cantigas safadas que fizemos em parceria. Infelizmente, um AVC arruinou de vez a saúde de dona Neném. A enfermidade da mulher cortou as asas do velho sanfoneiro. Hoje, aos 85 anos de idade, continua lúcido, mas muito triste. Ainda assim, se bem o conheço, não desistiu de ocupar o trono deixado pelo Rei do Baião. Os Chagas são assim: não aprendem nem desistem.
Longa vida, meu irmão.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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