Seu Pojucã tinha nome de índio, nariz de árabe e um punhado de filhas bonitas. Não sei exatamente o que fazia para ganhar a vida. Sei que morava no bairro Aldeia, próximo à capelinha. Diariamente, ao meio-dia, antes do almoço, passava na quitandinha de dona Purcina para uma talagada de Claudionor Carneiro. Como tira-gosto, piaba frita. Cabia a mim providenciar as piabas. Numa manhã qualquer, por razões que não me lembro, não fui pescar. Seu Pojucã não se conteve: “Não foi pescar por quê, menino?”. Mesmo correndo o risco de pegar uma boa sova de dona Purcina, respondi de bate-pronto: porque não quis. O cidadão sorriu e propôs: “Se você me pegar cem piabas, te dou uma camisa”. Sem pestanejar, aceitei a proposta. Na manhã seguinte, antes de o sol nascer, eu já estava na beira do açude. Por volta das oito horas, 102 piabas estavam na lata. Com a ajuda da Bia, limpei-as, tratei-as e coloquei-as numa folha de flandres para secar.
Ao meio-dia, entreguei-as ao contratante. O narigudo, com ar de incredulidade, desconversou: “O que vou fazer com tantas piabas, menino?”. Não fiz concessões: aqui estão as piabas; quero minha camisa. Homem de bem, o cidadão me deu um dinheirinho e, delicadamente, bateu na minha cabeça: “Você vai longe, garoto”. Corri até a loja de seu Abdon, comprei um pedaço de tecido – branco com listras azuis – e entreguei a dona Purcina. Dois dias depois, vesti a primeira camisa que comprei. Para mim, dupla alegria: vestir uma camisa nova e saber que, com o meu trabalho, eu poderia comprar outras. Assim tem sido.
(fragmento de O aldeão Lírico)
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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