Alguém anotou a placa? Madonna atropelou a caretice e o moralismo tacanhos do Brasil. Na semiosfera das areias de Copacabana, e pela mediação de nossas tvs, vimos, para além de um show pop, para além de um entretenimento sem pensamento, um poderoso diálogo de formas, de fusões de linguagens, de representatividade, de homenagens pontuais, diferenciadas e corajosas, de corporificação política.
Códigos culturais foram vivificados, a irreverência pop livre e criativa exorcizou a pasmaceira burra do terraplanismo bolsonarista. Um espetáculo que poderia perfeitamente levar a assinatura de nosso gênio tropicalista antropofágico José Celso Martinez Correia. Cenas formatadas num teatro orgiástico, dionisíaco, uma divina comédia reversa das teologias punitivas.
Madonna é metáfora de um mundo sem clausuras, do desvendamento de mistérios, do corpo em performance e suas opções de desejo, da linguagem dos afetos em ebulição. Quando grita, por exemplo, que sentia amor pelos brasileiros “no coração e na buceta” (que a pobre tradutora teve que usar o eufêmico “na periquita” ...), é o uso irrestrito do discurso, da possibilidade do dizer como se quer dizer. É assim nas canções, plataformas líricas que denunciam desconfortos e desmandos. E ontem, entre o mar, a areia, e as montanhas da moral, o domínio e o mando foram de Madonna.
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Feliciano Bezerra, professor doutor da UESPI - nas redes sociais.
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