No início do primeiro mandato de Leonel Brizola como governador do Rio de Janeiro (1983 – 1987), a Rio Arte realizou um evento bastante ambicioso para discutir o que se fazia no Brasil em termo de “cultura de resistência”. Foram convidados representantes de todos os estados brasileiros. Assim, acabei participando daquele convescote cultural no qual se fizeram presentes de Millôr Fernandes e a simples oportunistas. Havia estrelas de primeira grandeza – Gabeira, Fernanda Montenegro, Fausto Wolf – e simples vagalumes...
Fui convidado a participar do painel “A questão editorial no Brasil”. Foram meus companheiros de empreitada: Domingos Pelegrini, Uilcon Pereira e o cantor e compositor Ednard. Estava em boa companhia. O evento se realizou na Faculdade Cândido Mendes, espaço luxuoso. Logo na abertura do encontro, o jornalista e escritor Fausto Wolf fez alguns comentários desrespeitoso aos representes do Norte e do Nordeste. Fiquei abespinhado.
Na noite seguinte, na hora da minha fala. não deixei por menos: apliquei umas cipoadas certeiras no cidadão. Depois, sem baixar do tom, afirmei: vocês têm razão de questionarem a presença de um cabeça chata do Piauí numa discussão sobre a questão editorial brasileira. Só não me olhem, com esta cara de “lá vem mais um paraíba fazer qualquer coisa para conseguir um biscate aqui no Rio”. Entendam, de uma vez por todas: não sou arrivista e não vim ao Rio tentar a sorte. Sou um editor do Piauí que publica livros para seus irmãos piauienses. Não estou aqui buscando o aval de vocês para brilhar em minha aldeia. Lá eu já sou notável e isso me basta. Estou aqui como convidado e, tão logo termine minha participação nesta furupa, nem vou poluir as praias de vocês com minha feiura. Volto imediatamente para o Piauí.
Não sei se aliviada ou impressionada com minha fala, a plateia aplaudiu de pé. Foi aí que ator Emiliano Queiroz, que estava no auditório, pediu a palavra e declarou:” Cineas, meu irmão, há mais de 30 anos, tento criar coragem para dizer isso a esses filhos da mãe. Você vem do Piauí e diz exatamente o que eu gostaria de ter dito. Obrigado”. E começou a chorar.
Agradeci-lhe e expliquei: meu irmão, vivemos situações bem distintas. Você está aqui, trabalha aqui e, naturalmente, ameaça os bem-nascidos com o seu talento. Quanto a mim, estou neste evento como convidado. Não represento nenhuma ameaça a ninguém. Amanhã, voltarei para minha aldeia.
Abracei-o e, no dia seguinte, voltei para Chapada de onde não pretendo sair. Assim seja.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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