A direita não conquistou as massas, foram as massas que foram radicalizadas à direita.
Da perspectiva dos progressistas e da esquerda, cada eleição traz uma mensagem desoladora. De vitória em vitória, os conservadores avançam rapidamente suas posições, ampliando suas bases parlamentares, conquistando cada vez mais cargos no Executivo e, por consequência, exercendo crescente influência sobre as legislações e políticas públicas que afetam a todos.
Ainda mais impressionante é o fato de que a extrema direita vem drenando o eleitorado da direita tradicional republicana e avançando sobre o centro e até parte da esquerda, mantendo entre um terço e metade dos votos em democracias importantes nas Américas e na Europa.
Veja-se o resultado das eleições municipais até agora: a esquerda se segura como pode, o bolsonarismo se consolida, e a direita fisiológica —que o jornalismo, de forma complacente, insiste em rotular como "centrão", embora de centro não tenha nada— avança. Não se enganem com as manchetes que dizem coisas como "o centrão foi o grande vencedor".
A direita fisiológica brasileira não apenas se tornou mais ideológica desde 2018 mas muitos dos partidos que compõem esse chamado "centrão" atuam como verdadeiros cavalos de Troia para candidaturas bolsonaristas. Chegamos ao ponto em que as disputas eleitorais são protagonizadas por um bolsonarista ungido pela família, competindo com um bolsonarista dissidente, que promete ser um "melhor Bolsonaro" que seu concorrente.
Quando se fala desses avanços, parece que a população é uma presa, e a extrema direita, uma força de ocupação. Mas essa imagem, embora comum, é enganosa, pois trata os eleitores como uma massa sem discernimento, cujas vontades e opiniões seriam moldadas por charlatães e outros enganadores ou por algum dispositivo tecnológico insidioso a que não consegue resistir.
A realidade é outra. A percepção, a opinião e a vontade política das pessoas mudaram nos últimos tempos por diversas razões. A rigor, os conservadores de direita não conquistaram as massas; foram as próprias massas que se tornaram mais conservadoras e radicalizadas à direita. E, cada vez mais, afastadas da esquerda e dos progressistas, tanto em seu imaginário quanto em seus valores. Mais do que distantes, muitos se tornaram genuinamente hostis.
A verdade é que uma parte significativa dos eleitores não apenas fez uma guinada impressionante para a extrema direita e o conservadorismo como tem mantido consistentemente essa direção. Desde 2016, quando essa virada começou, já são cinco eleições nessa toada, e a "novidade" logo completará uma década.
As explicações clichês —que a virada foi fruto de um rompante, um impulso, ou de que foi resultado de manipulação e engodo— parecem insuficientes para explicar por que os eleitores permanecem nessa rota após tantos anos e depois de tudo o que sabem. Rompantes tendem a ser arrefecidos com o tempo, quando o sangue esfria e a racionalidade volta a prevalecer. Manipulações, por sua vez, costumam ser desmascaradas e, uma vez expostas, é difícil alegar engano continuado.
Portanto, seja qual for a causa inicial dessa mudança, ignorância, manipulação e sentimentos não explicam por que essa guinada persiste. O que pode ter sido um cheque em branco em 2018, em 2024 é uma escolha deliberada.
Em 2019, era natural perguntar quando os eleitores de alternativas radicais antipolítica e populistas, movidos por raiva, frustração e medo, iriam "acordar" e perceber o quão nocivo é o extremismo que levaram ao poder, para então retornar à alternância republicana normal entre esquerda, centro e direita. Agora, precisamos entender por que uma parte significativa do eleitorado continua votando na extrema direita ou em ultraconservadores, apesar de tudo o que já se sabe sobre como governam e as consequências de seu comportamento para a vida pública e a democracia.
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Wilson Gomes, professor mestre e doutor em Filosofia da Universidade Federal da Bahia.
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